Há 86 anos, nascia Ronaldo Cunha Lima. Relembre sua trajetória

Ronaldo discursa na campanha de 1959, ao lado do candidato a prefeito Newton Rique


Ronaldo José da Cunha Lima nasceu na cidade de Guarabira, em 18 de março de 1936, mas, ainda jovem veio com a família para Campina Grande. Com a morte do pai, Demóstenes, para ajudar a mãe, dona Nenzinha, no sustento da casa e para custear os estudos, vendeu jornais, foi garçom e trabalhou em cartório. Formou-se em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba, mas, desde cedo a vocação para a política passou a marcar sua trajetória.

Fez parte do Centro Estudantal Campinense, um verdadeiro celeiro de líderes políticos, sendo, inclusive, vice-presidente da entidade. Disputou sua primeira eleição em 1959, com 23 anos, elegendo-se vereador pelo PTB, com 952 votos. Três anos depois (1962), foi eleito deputado estadual, somando 3.796 sufrágios, dos quais 2.057 oriundos de das urnas de Campina Grande. Em 1968, aos 32 anos, chegaria à prefeitura de Campina Grande, uma história interrompida.


A partir de 31 de março de 1964, o Brasil passou a ser comandado pelo regime militar, que logo iniciou uma caça às bruxas, que acabou atingindo Campina Grande, com o afastamento do prefeito Newton Rique, que, além de perder o mandato conquistado no ano anterior, teve os direitos políticos cassados por dez anos. Amigo de Rique, Ronaldo certamente não imaginava que, cinco anos depois, enfrentaria o mesmo destino. Mesmo sem ser o mais votado para a prefeitura em 1968, Cunha Lima venceu, beneficiando-se da nova legislação, outorgada pelos militares, que instituiu o sistema da sublegenda.

As eleições aconteceram em 15 de novembro. Na votação direta, Severino Cabral, da Arena I, teve mais sufrágios: 17.568. A Arena II, com Plínio Lemos, que poderia ter balançado a disputa em favor de Cabral, teve pífios 635 votos. E a Arena III, de Stênio Lopes, obteve 241 sufrágios. Na soma, a Arena, onde praticamente só o “Pé de Chumbo” teve votos, totalizou 18.444 sufrágios. Com isso, o partido ficou atrás do MDB, que somou 22.156 votos: 13.429 de Ronaldo Cunha Lima, 312 de Osmar Aquino e 8.415 de Vital do Rêgo. Candidato mais votado do partido que obteve a maior votação, Ronaldo elegeu-se. Venceu de acordo com as regras do jogo.

Mas, se a norma casuística da ditadura ajudou a vencer, o arbítrio acabaria levando a uma virada de mesa. Ronaldo e seu vice, Orlando Almeida, tomaram posse no dia 31 de janeiro de 1969. Menos de dois meses depois, em 14 de março, por efeito do famigerado Ato Institucional Número 05, decretado no dia anterior, assim como acontecera com Newton Rique, Ronaldo também teve o mandato cassado, com suspensão dos direitos políticos por dez anos.

Seu vice assumiu, mas também acabou afastado, ficando Campina nas mãos de um interventor, Manoel Paz de Lima.Assim como fizera Rique, Ronaldo também deixou Campina Grande. Mas, ao contrário do amigo rico, penou para sustentar a prole de quatro filhos fora da Rainha da Borborema, ainda mais com direitos políticos suspensos – o que o impediu de assumir um cargo público.

Foi, inicialmente, para São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro, exercendo a advocacia. Nunca desligou-se, todavia, de Campina Grande. Segundo relato do filho, o hoje senador Cássio Cunha Lima, acompanhava os acontecimentos da cidade através das páginas do agora extinto Diário da Borborema. Até que, nos estertores do regime militar, após a anistia, regressou a Paraíba e voltou a disputar a prefeitura.

Em 1982, retorno triunfal nos braços do povo

Santinho da campanha de 1982
Convocado por amigos para voltar às disputas políticas, Ronaldo deixa o Rio de Janeiro, em 1982, e retorna à Rainha da Borborema, na volta triunfal, eterniza os versos de uma quadrinha: “Volto à minha Campina / No templo e no Evangelho! / E ao entrar nesta cidade / Afoguei minhas saudades / Nas águas do Açude Velho”. Nessa nova disputa pela prefeitura, Cunha Lima não precisou se valer, como em 1968, da sublegenda para reconquistar a prefeitura. O sistema era o mesmo, mas o bipartidarismo havia sido rompido.

Indiferente a esses aspectos, Ronaldo atropelou todos os adversários, e venceu com larga vantagem. Candidato pelo PMDB I, ele somou 40.679 votos, o equivalente a 56,33%. Vital do Rêgo (PSD I) obteve 28.625 sufrágios, ou 39,64%. A votação dos demais candidatos foi minúscula. Passados treze anos desde a cassação pelo regime militar, Ronaldo voltava ao cargo que lhe fora usurpado pelo arbítrio.

Cumpriu mandato de seis anos. Em 1986, elegeu Cássio, então com 23 anos, deputado federal constituinte. E, beneficiando-se pelas disposições transitórias da nova Carta Magna, fez do jovem deputado seu sucessor no comando do executivo municipal, vencendo na disputa o ex-prefeito Enivaldo Ribeiro. O jingle da campanha de Cássio expressava o sentimento e a estratégia de marketing daquele momento: “Plantar o grão / Pra colher o milho / Depois do pai / Sempre vem o filho / Continuar por amor é a sina / Francisco Lira, Cássio Cunha Lima”.

Cássio: "Mais que um pai, Ronaldo foi meu amigo"
O sucesso em 1982, coroado com a vitória do filho em 1988 e o poderio do PMDB estadual, somados, pavimentaram o caminho para a corrida pelo Palácio da Redenção, em 1990. Seria a primeira eleição para governador a ser decidida no segundo turno. E a nova regra permitiu que Ronaldo Cunha Lima derrotasse o ex-governador Wilson Braga (PDT), que venceu o primeiro turno, com 498.763 votos, contra 462.562 do peemedebista.

Também estiveram no primeiro tempo da refrega outros candidatos: João Agripino (PDS) – 137.487 sufrágios; Genival Veloso de França – 44.719; Juracy Palhano – 6.494. No segundo turno, Cunha Lima reverteu a vantagem de Wilson Braga, vencendo com ampla vantagem: 704.375 sufrágios a 571.802 (diferença de mais de 132 mil votos).

No balanço entre as duas principais cidades do Estado, enquanto em João Pessoa a diferença pró-Braga caiu para menos de 24 mil sufrágios, em Campina Grande Ronaldo ampliou sua margem para quase 85 mil votos.Ficou no Palácio da Redenção de 15 de março de 1991 a 02 de abril de 1994, quando renunciou ao mandato, entregando o cargo ao vice-governador, Cícero Lucena, para se eleger senador.

Em 1993, “refém das emoções”, atenta contra Burity

Repercussão do caso
Por volta das 14h30 do dia 05 de novembro de 1993, Ronaldo Cunha Lima, então governador da Paraíba, entrou no requintado restaurante Gulliver, em João Pessoa, portando um revólver Smith & Wesson calibre 38. A intenção era matar seu antecessor no Governo do Estado, Tarcísio de Miranda Burity.

A história que antecede ao atentado é controversa. Ronaldo afirmou, após o crime, que vinha recebendo ameaças da parte de Burity, que, além disso, estaria – ainda segundo Ronaldo – difamando seu filho, Cássio Cunha Lima, então superintendente da Sudene. A vítima, no entanto, negou até a morte, veementemente, que jamais tenha feito qualquer ataque pessoal ao à época governador e seu filho, e muito menos ameaças de qualquer tipo.

No Gulliver, um dos disparos efetuados por Ronaldo atingiu a boca do seu adversário, que só não recebeu outros tiros porque o governador foi contido pelo ex-deputado Manuel Gaudêncio. Burity sobreviveu. Ronaldo, preso pela Polícia Federal a caminho de Campina Grande, foi solto horas depois, beneficiado por um hábeas corpus. Voltou ao governo três semanas depois.

Ao reassumir o mandato, argumentou, em nota publicada na primeira página de A União: “O destino, em recente instante da minha vida, inesperado e desesperado, me fez prisioneiro dos meus sentimentos e refém de minhas emoções. Emoções e reações legítimas do homem. Emoções e sentimentos próprios do pai. Entrego-me, por isso, ao julgamento do meu tempo, em que os homens públicos não se pertencem, nem no acerto dos seus gestos nem nos desvios dos seus equívocos”.

Apesar de toda a repercussão do crime, no ano seguinte, 1994, Ronaldo renunciou ao mandato de governador para ser candidato ao Senado, elegendo-se como o mais votado, somando 517.833 votos. Desse total, 79.989 sufrágios foram em Campina Grande (41,43% dos votos válidos na cidade). 1998 – No Campestre, um discurso divide a Paraíba

Ronaldo Cunha Lima, em 18 de março de 1998, completou 62 anos. Uma grande festa, convergindo as agendas da cúpula peemedebista, foi organizada para três dias depois, 21 de março. Naquela noite, houve farto foguetório no Campestre, principalmente quando da chegada, em momentos diferentes, de José Maranhão, feito governador após a morte de Antônio Mariz, e de Ronaldo. Coube ao aniversariante o último discurso da noite.

Mostrando-se irritado porque teria havido mais fogos para o governador que para si, o festejado do evento, Ronaldo detonou um discurso em que recomendava a Maranhão controlar seus assessores, os quais classificou como “bajuladores”. Recomendou que cuidasse bem do Estado e avisou que, do contrário, poderia “tomar a Paraíba dos seus braços”.

Todavia, se o foguetório foi o estopim da bomba que ecoou naquela noite sobre toda a Paraíba, o explosivo estava sendo preparado há meses, num desentendimento crescente entre os dois líderes peemedebistas. Até aquela noite, o senador Humberto Lucena havia conseguido apaziguar os ânimos, custosamente conseguindo evitar o rompimento iminente. Na noite de 21 de março, entretanto, Humberto estava fora de cena, internado desde fevereiro no Instituto do Coração, em São Paulo, onde morreria.

Discurso bombástico no Campestre
Desde aquela noite de março, o processo eleitoral do Estado, destacadamente a corrida pelo Palácio da Redenção, passou a figurar como reedição da disputa extravasada naquele 21 de março. Ronaldo e Maranhão se enfrentaram na convenção do PMDB que definiria o candidato a governador do partido. Num processo cercado de acusações e polêmicas, José Maranhão venceu.

No ano seguinte, num fim de noite de 29 de abril de 1999, o então senador, à época com 63 anos, sofreu um acidente vascular cerebral isquêmico quando estava em Brasília. Apesar da gravidade do problema, Ronaldo sobreviveu, mas com seqüelas que acabaram levando à gradual diminuição da sua atuação política pública.

Eleição, reeleição e renúncia

Com a diminuição da sua atuação política e para acomodar uma aliança com o PFL em favor da candidatura de Cássio Cunha Lima ao Governo do Estado, no ano de 2002 Ronaldo não disputou a natural reeleição para o Senado. Já no PSDB, disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados e se elegeu com a segunda maior votação, 95.537 sufrágios (40.942 deles em Campina Grande). Quatro anos depois, em 2006, se reelegeu, somando 124.192 sufrágios, a sétima maior votação na Paraíba (27.643 votos em Campina Grande).

Passado um ano, Ronaldo Cunha Lima teve um gesto polêmico. No início da tarde de 31 de outubro de 2007, através de carta entregue à presidência da sessão legislativa, o deputado renunciava ao mandato. Foi uma manobra para escapar do julgamento do atentado contra Tarcísio de Miranda Burity, que aconteceria cinco dias depois, em 05 de novembro de 2007 – curiosamente no dia em que o crime do Gulliver completaria quatorze anos.

Ronaldo, entretanto, apresentava outra alegação para o gesto, garantindo que queria ser julgado pelo povo, como homem comum, como pode ser visto no texto curto do documento. “Sr. Presidente, nesta data e por este instrumento, em caráter irrevogável e irretratável, renuncio ao mandato de deputado federal, representando o povo da Paraíba, a fim de possibilitar que esse povo me julgue, sem prerrogativa de foro como um igual que sempre fui. Requeiro a leitura em plenário desta renúncia, a respectiva publicação e a comunicação dela a S.Exa, a presidenta do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie”.

A manobra enfureceu o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo contra o deputado. “Esse homem manobrou e usou de todas as chicanas processuais por 14 anos para fugir do julgamento. O ato dele é um escárnio para com a Justiça brasileira em geral e para com o Supremo em particular. Ele tem direito de renunciar, mas é evidente a segunda intenção. O que ele fez foi impedir que a Justiça funcionasse”, declarou Joaquim Barbosa, à época.

A alma de poeta e a poesia da cidade

Ex-vereador, ex-deputado, ex-prefeito, ex-governador e ex-senador, Ronaldo Cunha Lima sempre gostou de ser tratado por um título bem mais singelo: poeta. É assim que os próprios filhos o chamavam. Tem diversos livros publicados e sua obra transita entre o estilo clássico, preponderante, marcadamente romântico, ao popular típico do Nordeste. Essa veia, inclusive, sempre esteve presente em suas ações como gestor público. Quando governador, fez imprimir na contracapa dos livros distribuídos nas escolas públicas duas quadrinhas:

No livro que você lê
Se aprender bem direitinho
Cada página é um caminho
Que se abre pra você

Se for muito bem usado
O livro que a escola deu
De certo, será usado
Por outro colega seu

Imagem: Retalhos Históricos de Campina Grande
Responsável pela construção da marca “Maior São João do Mundo”, ao inaugurar o Parque do Povo, em 1986, fez constar, na placa inaugural, removida pela atual gestão, mais uma quadra:

Que este meu gesto marque
O nascer de um tempo novo
O povo pediu o parque
Eu fiz o Parque do Povo


O mesmo fez na inauguração da Praça da Bandeira, em 1984:

Eu agradeço ao destino
Por me conceder a graça
De ter construído a praça
Que sonhei desde menino

Outra paixão de Ronaldo Cunha Lima era o poeta Augusto dos Anjos. Dominando a história e a obra do autor de “Eu”, Ronaldo participou do programa “Sem Limites”, na extinta TV Manchete. Durante semanas, encantou o apresentador e o público respondendo todas as perguntas sobre Augusto dos Anjos, algumas vezes com versos improvisados, e venceu o programa.

A construção da própria história

Nas urnas, Ronaldo Cunha Lima jamais conheceu derrota. Amargou a cassação pelo regime militar, o revés na convenção peemedebista de 98 e a cassação do filho pela Justiça, em 2009 – talvez sua maior tristeza. Mas, malquisto por alguns e adorado por muitos, sempre foi agraciado pelo concurso do apoio popular. Encontrou em Campina Grande seu porto seguro, seu lugar forte. Vai entrar para a história como um dos principais entre os maiores líderes políticos de toda a história da Paraíba. Com todas as marcas que caracterizam os grandes líderes, inclusive as contradições.

Não fugiu à tradição de oligarquismo que marca os grandes nomes da política paraibana e, em seu meio, soube impor sua vontade. Mas, de qualquer forma, nesse jogo da real democracia brasileira, sempre recebeu a chancela popular – e, nesse sistema, o povo é o maior juiz. Foi um homem do seu tempo. No entanto, conseguiu ser, ao mesmo tempo, um intelectual respeitado nos altos círculos e um gênio popular, transitando, poética, política e humanamente entre nobres e plebeus com igual desenvoltura, com a mesma identificação.

O julgamento da História, que inevitavelmente perscruta todos os homens públicos, de todos os tempos, precisará analisar Ronaldo Cunha Lima pelos inúmeros aspectos, tantas vezes controversos, que marcam a sua personalidade. Sem o ardor messiânico dos apaixonados nem a má vontade inexorável dos críticos, não será um trabalho simples, porque Ronaldo nem de longe foi uma figura simplória, ao contrário de tantos homens públicos.

Aliás, essa é uma das marcas de Ronaldo que não podem ser negadas: ele não foi político por acaso, ele não foi um grande líder por acidente de percurso, ele jamais foi uma personalidade irrelevante no cenário paraibano, nem no seu alvorecer político, nem no seu ocaso. Sem padrinhos poderosos, sem berço de ouro, Ronaldo Cunha Lima tornou-se o patriarca de uma família de elite na política estadual.

Morreu em 07 de julho de 2012, vítima de um câncer, aos 76 anos, sendo sepultado no cemitério do Monte Santo - o corpo entregue à terra da terra que o acolheu como filho.
 

-------
Lenildo Ferreira
Reprodução proibida, exceto autorização expressa
Postagem Anterior Próxima Postagem