“Polícia só aborda pobres”: Preconceito ou ciência da percepção?

 

Na tarde desta segunda-feira, 20 de dezembro, uma amiga minha postou em um grupo de whatsapp um vídeo cujas imagens flagram dois ‘jovens’ andando tranquilamente pela calçada. Um carro está estacionado em frente a um comércio de bolos. A dupla passa direto e depois volta. E aponta a arma para a condutora do veículo, anunciando o roubo. Ela e outra mulher saem do automóvel, que ‘vai embora’ com os bandidos.

Quando vi aquelas imagens, de dois jovens visivelmente pobres e usando roupas quase ‘maltrapilhas’, lembrei-me de uma afirmativa que vez por outra leio/escuto por aí: “A polícia só aborda gente pobre”. Ou “A forma de andar e de se vestir não deve ser critério para uma abordagem policial”. Ou ainda “pobreza não é sinônimo de crime”. Coisas do tipo. 

As teorias, claro, partem quase exclusivamente de quem não trabalha abordando pessoas nas ruas. Porque quem faz isso [na prática] todos os dias – como a Polícia Militar, especialmente –, sabe que não é com essa melodia que a banda toca.

Aliás, eu serei mais enfático. Se, em termos resumidos, a Ciência é a “Reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos, fatos, fenômenos, sendo sistematizados por métodos ou de maneira racional: as normas da ciência” (conceito retirado da internet), o que os policiais fazem nas ruas todos os dias é C-I-Ê-N-C-I-A.

Repetem determinadas atitudes por várias vezes; memorizam, ainda que inconscientemente, cada detalhe desses acontecimentos; analisam os resultados; e tiram suas conclusões. Basta apenas botar tudo isso em uma planilha de dados e aguardar o desenho que irá refletir no painel das estatísticas.

Dizendo melhor: analisar as características (roupas, adereços, jeito de andar, etc.) de quem é preso (ou não) cometendo roubos nas ruas. Se os crimes forem registrados por câmeras de segurança, melhor ainda. Se, depois de centenas de casos analisados, o perfil traçado pelas estatísticas concentrar em ‘um modelo típico’, não será mera coincidência. Tampouco preconceito. 

Assim, quando a polícia foca em ‘pobres’ para abordá-los nas ruas, é porque uma “Reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos” faz essa recomendação. Afinal, não se vê ladrão rico apontado arma para roubar o carro de alguém. A sistemática adotada por ladrões ricos é outra e, portanto, exige outras formas de ‘abordagem’.

Vamos fazer Ciência?

O que precisamos fazer, com certo grau de urgência, é pesquisar com muito grau de seriedade sobre ‘o quê’ leva/levou tantos jovens no Brasil a optarem pelo mundo do crime. 

1. Por que deixaram de estudar (se é que já entraram numa escola)? 

2. Quando deixaram? 

3. Onde vivem? 

4. Como vivem? 

5. Qual o percentual dos jovens de “mesma idade”, no mesmo meio social, que optam ou são ‘obrigados’ a entrar para o crime? 

6. Quantos, verdadeiramente, “precisam roubar” para sobreviver? 

7. Qual o papel dos pais nesse contexto? 

8. E dos governos municipais? 

9. A legislação atual ajuda ou atrapalha? 

10. Quem, de fato, deveria ter evitado que esses jovens se iludissem com o falso glamour da criminalidade violenta?

Como quase ninguém quer aplicar Ciência na Segurança Pública do Brasil, parece soar mais fácil dizer que “A polícia só aborda pobres nas ruas”. 

Uma última pergunta: o que pensam as duas mulheres do carro roubado nesta segunda-feira, a respeito do assunto? ... 

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PERFIL

Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande

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