As ‘brigas’ com a PM, com a imprensa, com a OAB e com a Igreja para defender os agentes prisionais

*Por Saulo Nunes

O comandante da CPTran em Campina Grande era o hoje coronel Eduardo Jorge. Não lembro qual era a sua patente à época dos fatos, e a bem da verdade, ele não teve nada a ver com o episódio que vou contar no artigo de hoje. Menciono aqui o nome do oficial porque nem naquele tempo e nem em momento algum, Jorge me fez qualquer mal. Muito pelo contrário, eu sempre me dei muito bem com ele. Só que um determinado episódio significou um risco enorme de respingar dissabores entre mim e sua pessoa.

Um agente penitenciário à época (hoje, apesar das controvérsias, a categoria defende que o cargo seja tratado exclusivamente como “policial penal”) me disse que sofrera “retaliações” de um soldado da CPTran somente pelo fato de ele, o agente prisional, trabalhar no presídio do Serrotão. 

Alguns PMs – segundo a versão me confidenciada – estariam tendo problemas com alguns policiais penais daquela imensa casa de ressocialização que abocanha em torno de 14 hectares de terreno. Aí, como forma de “represálias”, os militares também não deixariam barato na primeira oportunidade que surgisse.

Foi quando “Neymar” (nome fictício para evitar transtornos) chegou pra mim e falou assim: “Saulin, faça uma matéria no seu blog lá. Um cara da CPTran me parou no trânsito; minha moto estava com documento atrasado, eu sei, mas ele disse que só iria me multar porque os agentes do Serrotão são muito folgados”. Algo desse tipo. 

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Para você entender: em agosto de 2009, oito meses após eu ser nomeado Agente de Segurança Penitenciária, eu criei um blog chamado “Paraíba em QAP”. A ideia era tentar mostrar, por outros ângulos, o dia-a-dia dos agentes de segurança pública. Por ser o primeiro site no estado com esse propósito, logo caiu no gosto do público alvo.

Só que, com o passar do tempo, os pedidos desse público já não eram tão somente “publique meu trabalho aí”. Para aproveitar o razoável alcance/audiência que meus textos atingiam, não raro a turma me via como uma espécie de “válvula de escape” para inúmeras tretas. 

A da CPTran foi uma delas. Eu achei injusto o que “Neymar” havia me contado e entrei no jogo para dar [e tomar] caneladas, se fosse o caso. Não que o soldado/PM estivesse errado em sua conduta. O próprio Neymar admitiu estar em falta com a documentação solicitada pelo militar, e eu deixei isso bem claro no meu artigo. O que eu não achei legal foi a tal declaração “vou lhe multar porque os agentes do Serrotão são folgados”. Ele poderia – deveria! – ter feito a multa e pronto. 

Publiquei meu texto com certo ‘peso na tinta’, mesmo sabendo que, por tabela, o simpático Eduardo Jorge poderia se sentir incomodado. Afinal, era ele o comandante da CPTran à época. A publicação repercutiu nos corredores do meu público – presídios, delegacias e batalhões –, mas não sei se chegou a prejudicar alguém, diretamente. Com a mais pura sinceridade da minh’alma, esse nunca foi o objetivo da nota. Mas sei que, ao menos por algum tempo, alguns colegas militares envolvidos direta/ indiretamente no episódio franziram a testa pro meu lado, depois daquele texto. 

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Contextualizando, nos idos de 2009-2010, apenas eu mantinha um blog na Paraíba voltado exclusivamente às questões de segurança/violência e suas ramificações. Era uma sacada inédita, pioneira. Depois surgiram Márcio Rangel e Renato Diniz, mas eles nunca foram exclusivos na temática ‘segurança’ e tampouco tinham caráter “sindicalista” como o meu. Assim, eu tentava equilibrar as publicações sobre o trabalho dos profissionais da segurança (prisões, operações, treinamentos, etc.), os anseios dos policiais, as demandas das categorias e até ‘apoio político’ a candidatos das corporações. Tudo porque eu acreditava – e ainda acredito, até certo limite – que políticas de segurança pública não funcionam sem olhar para quem está na ponta da lança.

Nesse cenário, perdi as contas de quantas vezes bati de frente com a Pastoral Carcerária (por exemplo), pela forma distorcida com que a entidade denunciava o sistema penitenciário paraibano. Sim, havia muitas verdades nos relatórios da entidade, mas muitas distorções também. Na falta de um messias em prol do seu rebanho, lá estava eu pondo meu pescoço para expressar o que os agentes penitenciários reclamavam nos corredores do cárcere. 

A Ordem dos Advogado do Brasil (OAB), na sua missão NECESSÁRIA de salvaguardar a garantia dos Direitos Humanos, também – a meu ver – extrapolava em alguns momentos. Brigava por uma causa justa, porém, por vezes, não fazia justiça nas denúncias que envolviam o ambiente prisional. Eu, então, ensaiava meu ‘Data Vênia’ e tentava emplacar a defesa de uma categoria profissional que não tinha espaço na mídia para isso. 

A imprensa foi, sem sombra de dúvidas, a ‘campeã’ das minhas críticas. Nenhum outro segmento foi alvo de tantos ‘rebates’ meus, quando o assunto era algo que eu considerava injusto aos agentes penitenciários. Eu tento pensar da seguinte forma: se a crítica/denúncia contra os policiais tem fundamento, eu me calo. Quando enxergo injustiça, peço a palavra e expresso minha opinião, porque [dizem] vivemos em uma democracia. E nessa linha, ‘peguei pesado’ com muitos jornalistas e radialistas deste estado para defender meus colegas. 

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Não é novidade para ninguém que a profissão policial no Brasil é a que mais ‘convida’ o profissional a entrar num rol de doenças/distúrbios mentais, devido ao cenário de violência do país nos últimos 30 anos. Os próprios servidores do sistema penitenciário são atingidos em cheio. Eu mesmo tive o desprazer de saber que, depois de 2015, quatro colegas próximos (que eu conhecia) tiraram a própria vida. Isso não pode ser apenas ‘coincidência’ de quem trabalha em presídios. É muita pressão oculta.

No artigo anterior a este, publiquei um texto ‘contundente’ sobre uma situação envolvendo policiais penais (ou agentes penitenciários, como trata o Edital do Concurso 2024 pra o cargo, na Bahia). Nada contra ninguém, especificamente. Lancei apenas uma opinião sobre “os fatos”, como o fiz nos casos da CPTran, da Pastoral Carcerária, da OAB, da Imprensa... E juntando esses quatro segmentos outrora alvos de minhas ‘críticas’, a reação não foi tão intensa quanto a dos profissionais que atuam nos presídios e em defesa dos quais eu ‘briguei’ com a sociedade civil quase toda de Campina Grande, noutros tempos.

Mas eu compreendo a revolta. Lidar com o crime no Brasil – dentro e fora dos presídios – deixa traços espalhados. 

Brincando com um investigador da PC sobre o episódio da semana passada, eu disse que “o policial comum quando surta tira a roupa no meio da rua; ou sai dando tiro pra cima; ou bate na mulher; ou chega à triste decisão de tirar sua vida. Eu, quando surto, apenas sento num banco e escrevo textos”. 

O Fim do QAP

Mantive o Paraíba em QAP de 2009 até o ano 2015, período em que eu era agente penitenciário e tinha tempo para isso. Dali em diante, por meio também de concurso público, iniciei minha missão na Polícia Civil – instituição de atribuições absolutamente distintas da Polícia Penal –, e não tive mais condições de manter o blog.

Prefiro, agora, tratar a segurança enquanto Ciência. 

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*Saulo Nunes é jornalista, policial civil e escritor
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