Câncer de Cabeça e Pescoço: o alerta necessário para salvar vidas no Brasil


Por Dr. Uirá Coury

O documento “Protocolo de Acesso às Ofertas de Cuidados Integrados na Atenção Especializada em Oncologia” (edição 2025), publicado pelo Ministério da Saúde(MS), estabelece diretrizes para organização e fluxos assistenciais para os cânceres de mama, colo de útero, próstata, colorretal e gástrico no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entretanto, jamais poderia deixar de observar a omissão do câncer de cabeça e pescoço (CCP), uma lacuna grave considerando os dados epidemiológicos mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Imagem: Produzida por Dr. Uirá Coury com app de IA (todos os direitos reservados).

O câncer de cabeça e pescoço, que engloba um conjunto heterogêneo de tumores na boca, tireoide, laringe, faringe, seios da face, pele da região(face, orelhas, pescoço e couro cabeludo) e glândulas salivares, é hoje uma das doenças oncológicas mais preocupantes no Brasil — e, curiosamente, pouco falada. Segundo o INCA, são estimados cerca de 41 mil novos casos por ano, tornando-se o quinto tipo de câncer mais comum entre os homens no país. E esses 41.000 casos porque estamos excluindo os cânceres de pele não-melanoma cuja incidência está em torno de 70% na região, com quase 220.000 casos em cada ano do triênio 2023-2025..

Apesar desses números impressionantes, o tema segue sub-representado nos protocolos oficiais do Ministério da Saúde(MS), que até agora priorizam no Sistema Único de Saúde (SUS) os fluxos de cuidado para câncer de mama, próstata, colo do útero, colorretal e gástrico. Na qualidade de Especialista na área, venho alertar: é urgente incluir o câncer de cabeça e pescoço nas diretrizes nacionais de cuidados integrados em oncologia.

Por quê? Primeiro, porque os tumores dessa região costumam ser diagnosticados tardiamente. Especialmente nos cânceres de cavidade oral, por volta de 75% dos pacientes chegam aos centros de referência (CACON/UNACON) com lesões avançadas, que poderiam ter sido identificadas precocemente se os sinais de alerta fossem amplamente conhecidos e difundidos entre profissionais de saúde e população.

Entre os sintomas que merecem atenção estão:

Rouquidão persistente por mais de três semanas;

Dificuldade progressiva para engolir;

Feridas na boca que não cicatrizam;

Caroços no pescoço de crescimento rápido e consistência endurecida.

Além disso, fatores como tabagismo, consumo de álcool exposição solar excessiva e infecção pelo HPV aumentam significativamente o risco de desenvolver a doença.

Atualmente, a ausência de um protocolo específico para câncer de cabeça e pescoço no SUS gera dificuldades para a atenção primária em saúde (APS) — pois é a porta de entrada da população com o sistema público de saúde —, que fica sem diretrizes claras sobre quando e como encaminhar esses pacientes para serviços especializados. Qual o resultado disso? Diagnósticos tardios, tratamentos mais agressivos e impacto significativo na qualidade de vida, muitas vezes com necessidade de traqueostomias e cirurgias mutilantes. E também vários casos sem qualquer possibilidade de tratamento.

Nossa humilde sugestão é que solução passa por:

Criar uma Oferta de Cuidado Integrado (OCI) específica para câncer de cabeça e pescoço no SUS;

Treinar equipes das Unidades Básicas de Saúde para reconhecer sinais suspeitos;

Melhorar o fluxo de regulação para encaminhamento dos pacientes para exames como nasofibrolaringoscopia e biópsias de lesões suspeitas, especialmente as biópsias de cavidade oral, que podem ser feitas pelo cirurgião dentista na APS, desde que possua os insumos necessários e que o resultado não demore;

Disseminar as estratégias de prevenção relacionadas ao HPV, especialmente o fortalecimento das ações de vacinação tetravalente de escolares dos 9 aos 14 anos.

Essas mudanças não apenas aumentariam as chances de cura, mas também reduziriam custos ao sistema público, com menos cirurgias mutilantes, menos internações prolongadas e menos perdas de vidas.

O alerta, portanto, é claro e responsável: é mais do que na hora de dar ao câncer de cabeça e pescoço a atenção que ele merece. Com informação acessível, diagnóstico precoce e cuidados adequados, milhares de vidas podem ser salvas todos os anos — e o SUS pode oferecer um atendimento ainda mais justo e eficaz para a população, com a melhoria da equidade.

Referências

Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: Incidência de câncer no Brasil.

https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document//estimativa-2023.pdf

Instituto Nacional de Câncer. Detecção precoce do câncer.

https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/deteccao-precoce-do-cancer_0.pdf 

Instituto Nacional de Câncer. Atlas on-line de Mortalidade.

https://www.inca.gov.br/MortalidadeWeb

Protocolo de Acesso às Ofertas de Cuidados Integrados na Atenção Especializada em Oncologia” (edição 2025), disponível: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saes/pmae/publicacoes/protocolo-de-acesso-as-ofertas-de-cuidados-integrados-na-atencao-especializada-em-oncologia.pdf/view

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Uirá Coury é médico (CRM- PB 6275) cirurgião de cabeça e pescoço (RQE 4088)


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