Por Saulo Nunes
A segurança pública será, novamente, a pauta das eleições 2026 no Brasil. Os motivos, tamanha a sua obviedade, acredito que nem preciso listá-los. Basta-nos lembrar que, nos últimos anos, houve uma crescente no número de profissionais da área ocupando cargos eletivos – nos poderes legislativos e executivos –, já que, de fato, precisamos também de policiais com poder de decisão política, embora eleger esse profissional para “mudar a segurança do Brasil” não garanta muita coisa. Uma leitura atenta sobre determinados projetos de lei já confirma o que eu estou dizendo.
E, como sempre, na retaguarda de períodos eleitorais não irão faltar “ideias” e “propostas milagrosas” para frear a violência do país. Se as promessas não vierem com a feição de uma ‘PEC 300’ da vida – que nos idos de 2010 movimentou batalhões e delegacias país afora, ofertando melhorias salariais –, certamente serão vendidas com alguma sugestão de mudança no modelo de segurança pública do Brasil; na forma como as polícias funcionam no país.
Na verdade, já existem dezenas de projetos de lei no Congresso Nacional que versam sobre isso. Em setembro de 2015 (por exemplo), foi criada uma Comissão Especial de deputados federais para estudar proposta de unificação das polícias Civil e Militar. Entre as atividades, a Comissão visitou a Alemanha, França, Itália, Áustria, Japão, Estados Unidos, Canadá, Chile e Colômbia. Um verdadeiro giro pelo mundo, para saber como o sistema de segurança pública é montado em cada país visitado. Dez anos se passaram, e não estranhemos se ‘daqui a pouco’ pautas como essa – “mudanças nas polícias do Brasil” – voltem aos nossos ouvidos novamente.
O Sonho Americano
Está enraizada em nossas mentes a ideia de que tudo nos Estados Unidos é bom e funciona. Não sei como nem quando esse pensamento cristalizou na cabeça do brasileiro e nem vou contestar essa onipotência atribuída aos EUA. Se as coisas funcionam bem por lá como dizem, ótimo para eles. A grande pergunta é: tudo o que se faz nos EUA cairia bem no Brasil também?
O tal ‘algoritmo’ das redes sociais tem me apresentado alguns brasileiros que são policiais nos Estados Unidos. Eles usam seus perfis pessoais para fazerem o favor (eu, pelo menos, agradeço demais!) de explicar como a máquina gira pelas bandas do Tio Sam. E cá pra nós? Os caras conseguem explanar em meia hora o que o relatório final daquela Comissão de 2015 não me transmitiu com clareza.
Uma dessas figuras é Pamela Rodrigues, brasileira de Recife (PE) e que há alguns anos é policial no Texas (EUA). A pernambucana alimenta seu Instagram diariamente com dicas para quem quer fazer como ela – ser policial nos EUA – e, de quebra, explica como funciona a polícia na maior potência do planeta.
Claro que eu não vou transcrever tudo o que ela fala em seus vídeos. É muito assunto para um texto só. Por isso mesmo, escolhi apenas alguns temas (para hoje). Segundo Pamela, lá no Texas o policial que abordar pessoas nas ruas “sem fundadas suspeitas” é punido com muito rigor. Como essa pauta foi bastante discutida ultimamente no Brasil, o testemunho da nordestina americana não me passou despercebido em uma de suas postagens.
“O povo bota, o povo tira”
Eliel Teixeira, brasileiro nascido em Brasília (DF) que é policial na Califórnia há mais de 15 anos, trouxe-me informações ainda mais interessantes. De acordo com o brasiliense, na polícia em que ele trabalha não existe coronel nem major nem delegado nem escrivão nem batalhão nem delegacia! Pelo menos não nos formatos que a gente conhece aqui no Brasil. O chefe da polícia – o famoso Xerife – é eleito por voto popular, assim com o promotor de justiça e os juízes de primeira e segunda instâncias. Isso mesmo que você leu: o eleitor da Califórnia vai às urnas escolher vereador, prefeito, governador, presidente, promotor, juiz e... O xerife também.
Segundo Eliel, o povo americano não gosta de poder centralizado. O xerife lá não presta contas ao governo, e sim ao povo. Se o comandante maior da polícia não fizer um bom trabalho, ou ele não consegue se reeleger para mais quatro anos de mandato, ou simplesmente o povo pede o seu impeachment. Simples assim.
Outra diferença gritante: o policial que passa em um concurso na polícia dos EUA vai, de início, trabalhar no patrulhamento de rua. Após cinco ou seis anos, faz concurso interno (destinado somente a policiais) para se tornar detetive/investigador. No geral, as policiais são municipais e de caráter civil. “Não existe polícia militar, embora tenhamos patentes como sargento, tenente e capitão. Usamos fardamentos nos trabalhos ostensivos, mas a nossa polícia é civil”, explica o mineiro.
O pesadelo brasileiro
Não são poucas as vozes que se levantam no Brasil – especialmente de profissionais da segurança pública – pregando modificações nas nossas polícias citando como exemplo os Estados Unidos. No entanto, os detalhes de como os órgãos policiais funcionam por lá quase nunca são informados.
Tanto no Texas quanto na Califórnia, a regra é um policial sozinho patrulhando as ruas, atendendo ocorrências, fazendo relatórios e se responsabilizando pelo que der de bom ou ruim. Nas exceções, claro, esse policial recebe apoio de colegas quando necessário. Há não muito tempo, ouvi reclames de policiais militares aqui no Brasil que estavam saindo às ruas em dupla nas viaturas, quando o usual sempre foram três ou quatro no carro. Na nossa conjuntura, não é difícil entender que o sonho americano no Brasil se tornaria pesadelo.
Em tempo: Eliel afirmou que o salário do policial na Califórnia é muito bom, ao passo em que, segundo Pamela, o policial do Texas também tira “serviço extra” (como no Brasil), para complementar o que ganha por mês na profissão.
É claro que Pamela e Eliel têm muito mais a nos transmitir. Mas por hoje, é isso.
E aí? Se surgir alguma proposta de mudança nas nossas polícias daqui para as eleições 2026, a gente começa por onde?
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Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil