Esqueçam, de uma vez por todas, a figura messiânica do Presidente da República. A dura verdade é esta: o presidencialismo, como o conhecemos no Brasil, está em seus estertores. Não estamos diante de mais uma crise política passageira. O que testemunhamos é uma inversão estrutural de poder que fez da missão de governar, a partir do Palácio do Planalto, uma tarefa praticamente impossível, e isso é dramático.
O líder eleito pelo voto popular não detém mais o comando real da nação. Pelo contrário: tornou-se um articulador-chefe, refém de um arranjo político que transferiu o poder mais essencial de qualquer governo: o controle do Orçamento.
O Esgotamento do Poder Executivo:
Um Legado de Instabilidade
O problema, veja bem, não se restringe a um erro de estratégia do mandatário atual. É um esgotamento que se arrasta por mandatos e gestões, independentemente de quem esteja no poder ou de sua ideologia. É um sistema que, de maneira teimosa, concentra a responsabilidade sem dar a autoridade necessária para cumpri-la.
O sintoma mais ruidoso dessa falência reside na crescente perda de autonomia orçamentária do Executivo. As emendas destinadas ao Legislativo, é bom que se diga, são um fator poderoso nessa equação, mas não o único. São, no entanto, a prova material mais robusta de que a caneta do dinheiro mudou de mãos.
Pense bem: com mais de R$ 60 bilhões anualmente destinados a emendas (impositivas, de bancada, de comissão), o Congresso não apenas fiscaliza ou legisla; ele compra a governabilidade e, no fundo, define a política pública na ponta. Enquanto isso, o Executivo vê o orçamento de seus ministérios minguar a cada ano. Os ministros? Tornaram-se meros gestores de restos, com pouquíssima margem de manobra. O poder de alocação de prioridades — a essência da liderança executiva, convenhamos — migrou para o Congresso, consolidando um perigoso "parlamentarismo de fato."
Impeachment: De Exceção a Ferramenta de Barganha
Nesse cenário de fragilidade, o presidente vive sob um monitoramento de alta frequência. Sua agenda, praticamente, é ditada pela necessidade diária de negociação e pelo risco iminente de paralisação ou de um processo de impeachment. A ameaça de destituição, infelizmente, deixou de ser um instrumento de exceção e virou uma ferramenta de barganha constante.
A fragilidade do cargo máximo é gritante em nossa história recente. Desde a redemocratização, em um curto espaço de tempo, tivemos três Presidentes da República — Fernando Collor, Dilma Rousseff e o risco vivido por Michel Temer — que enfrentaram e sucumbiram ou foram ameaçados seriamente por processos de destituição. Isso, meus amigos, é a prova de que a crise não é pessoal, mas sistêmica. O Legislativo utiliza o poder de cassação não apenas para coibir crimes de responsabilidade, claro, mas para impor sua agenda e garantir a continuidade da captura orçamentária.
Vale lembrar que Michel Temer, ainda no exercício da Presidência, tentou levantar esse debate ao defender publicamente a adoção do semipresidencialismo.
O Espelho das Democracias Consolidadas
Para sair desse beco sem saída, talvez precisemos, com urgência, olhar para democracias que não insistem em um Executivo fraco e ameaçado. O debate sobre o sistema de governo não pode ser apenas uma abstração acadêmica; é uma necessidade urgente para o país.
Muitas das democracias mais estáveis do mundo optaram por sistemas que reconhecem a necessidade de uma coalizão sólida para governar, o que faz todo sentido:
• Parlamentarismo: Na Alemanha e no Reino Unido, o Chefe de Governo (Primeiro-Ministro) é escolhido pelo Parlamento. A governabilidade é alta porque o Executivo já nasce com a maioria. Se a maioria é perdida, o governo cai, e novas eleições são convocadas rapidamente, injetando estabilidade e responsabilidade imediata.
• Semipresidencialismo: Em países como a França e Portugal, há um Presidente eleito com poderes limitados (geralmente em política externa e defesa) e um Primeiro-Ministro responsável pela política interna e pela relação com o Parlamento. Esse modelo distribui o poder e o risco, diminuindo a carga e a instabilidade que pesam sobre uma só figura.
O Brasil precisa parar de fingir que vive sob um presidencialismo forte. A combinação de captura orçamentária, instrumentalização política e a ameaça de impeachment constante tornou o modelo insustentável. A pergunta fundamental não é mais se o próximo presidente conseguirá restaurar o poder; é quando, afinal, a Constituição irá reconhecer a realidade de que o poder de fato já reside no Congresso.
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Luiz Phillipe Pinto é advogado