Campina Grande, 09 de outubro de 2025
Há décadas acompanhando a evolução do empreendedorismo e da inovação, testemunhei diversas transformações culturais no mundo dos negócios. Mas nenhuma me intriga tanto quanto o fenômeno atual da geração Z tech: jovens que voluntariamente trocam festas por maratonas de 90 horas semanais de trabalho, álcool por sauna, e baladas por hackathons. É uma revolução silenciosa que redefine conceitos de sucesso, diversão e realização pessoal.
O novo paradigma do silicon valley
No epicentro da inovação global, uma cultura peculiar emergiu. Jovens empreendedores inspirados por Elon Musk, Sam Altman e Mark Zuckerberg não veem suas jornadas extremas de trabalho como sacrifício, mas como escolha consciente e, surpreendentemente, como fonte de prazer. Para eles, a verdadeira adrenalina não vem de uma festa ou de praticar algum esporte radical, mas de resolver um problema complexo às 3h da manhã ou ver sua startup atingir uma métrica importante.
Este fenômeno não é isolado nem superficial. Reflete uma mudança estrutural na forma como esta geração percebe valor, realização e impacto. Em um mundo onde 78% das startups brasileiras já utilizam IA em seus processos, dados da Agência Sebrae, e o investimento global em startups de IA cresceu mais de 80% entre 2023 e 2024, segundo o relatório global da Thunderbit sobre estatísticas de startups de IA, a competição é feroz e as expectativas são astronômicas.
A matemática brutal da competição global
Os números justificam parte desta obsessão. No relatório de produtividade em startups tecnológicas de IA, da Redelideres, menciona que empresas que implementam IA adequadamente registram aumentos de produtividade operacional de até 65%. Em um mercado onde margens competitivas são medidas em semanas ou dias, não em anos, trabalhar 40 horas enquanto o concorrente trabalha 90 pode significar a diferença entre liderar ou desaparecer.
O modelo "996" asiático (9h às 21h, seis dias por semana), frequentemente discutido pelo The Wall Street Journal e Business Insider, encontrou variações ocidentais igualmente intensas. Não por imposição patronal tradicional, mas por uma cultura peer-to-peer onde jovens empreendedores se pressionam mutuamente em busca de excelência e velocidade de execução.
Como consultor empresarial, reconheço que há ganhos reais nesta dedicação extrema em fases específicas: lançamento de produtos, captação de investimentos, pivotagens críticas, entre outros, porém o problema surge quando o excepcional se torna permanente.
Sobriedade como vantagem competitiva
A rejeição ao álcool e festas tradicionais não é puritanismo moral, mas cálculo estratégico. A diferençam de gerações anteriores, estes jovens descobriram que ressacas prejudicam performance cognitiva, que noites de sono completo geram insights melhores, e que networking em treinos matinais é mais produtivo que em happy hours noturnos.
Substituíram bares por saunas, festas por eventos motivacionais, cerveja por smoothies proteicos. A socialização existe, mas é funcional: fortalece conexões profissionais, promove trocas de conhecimento e reforça a identidade tribal do grupo.
Esta transformação cultural tem mérito em seus fundamentos: saúde física e mental são, de fato, ativos estratégicos para performance sustentada. Disciplina e autocontrole são qualidades valiosas. O questionamento surge sobre os extremos e suas consequências de longo prazo.
O paradoxo brasileiro
No Brasil, este fenômeno ganha contornos particulares. Segundo o Sebrae, 60% dos empreendedores brasileiros identificam a inteligência artificial como fator fundamental para atrair investimentos. Nossa geração jovem empreendedora observa atentamente os padrões do Vale do Silício e, em muitos casos, tenta replicá-los.
Testemunho isso em diversas cidades do ecossistema de inovação nacional. Jovens fundadores de startups que trabalham jornadas estendidas, priorizam crescimento acelerado e adotam estilos de vida inspirados em modelos internacionais.
Mas há uma diferença crucial: nosso contexto socioeconômico e cultural é radicalmente distinto. O que funciona em Palo Alto, com sua infraestrutura de capital abundante, rede de suporte consolidada e mercado local gigantesco, não necessariamente se traduz diretamente para Campina Grande, João Pessoa ou qualquer outra cidade brasileira.
Nossos empreendedores enfrentam desafios adicionais: acesso limitado a capital de risco, infraestrutura de inovação em desenvolvimento, mercado local menor e desafios macroeconômicos que não existem no mesmo grau nos EUA. Trabalhar 90 horas semanais aqui pode não gerar os mesmos resultados que gera no Vale do Silício, simplesmente porque as variáveis do ecossistema são diferentes.
O custo oculto da performance extrema
Minha experiência assessorando empreendedores me ensinou algo fundamental: sprints intensos funcionam; maratonas permanentes quebram pessoas.
Burnout não é mito ou fraqueza — é consequência estatisticamente previsível de trabalho prolongado sem recuperação adequada. Segundo estudo neurocientífico citado pelo Reporter Maceió, em maio deste ano, a performance cognitiva declina significativamente após 50-60 horas semanais de trabalho mental intenso. Continuar trabalhando além desse ponto frequentemente gera mais retrabalho que progresso real.
Vi empreendedores brilhantes se consumirem em jornadas insustentáveis. Alguns tiveram sucesso financeiro, mas pagaram com saúde física e emocional comprometida. Outros simplesmente colapsaram antes de alcançar seus objetivos, vítimas de exaustão extrema.
A glorificação do trabalho extremo também cria pressão social tóxica. Jovens empreendedores sentem-se constrangidos a "performar" jornadas heroicas, mesmo quando contraproducentes, por medo de parecerem menos comprometidos ou menos capazes que seus pares.
Repensando a equação do sucesso
A questão não é se dedicação intensa é necessária — frequentemente é. A questão é sustentabilidade e proporcionalidade. Precisamos de uma conversa mais honesta sobre:
• Fases vs. Permanência: Trabalho intenso em fases críticas (pré-lançamento, rodada de investimentos, entre outras) é diferente de jornadas permanentemente extremas. A primeira é estratégica; a segunda, insustentável.
• Produtividade Real vs. Performativa: 90 horas de trabalho ou mais não tem seu equivalente em horas de produtividade. Após certo ponto, estamos apenas "performando trabalho" para nós mesmos e para as redes sociais, sem gerar valor proporcional.
• Diversidade de Caminhos: O modelo de trabalho extremo favorece perfis específicos (jovens, solteiros, sem responsabilidades familiares, com redes de suporte). Isso naturalmente exclui talentos diversos — mulheres com responsabilidades de cuidado, pessoas com condições de saúde específicas, profissionais mais maduros. Um ecossistema saudável precisa de múltiplos modelos de sucesso.
• Impacto de Longo Prazo: Construir empresas sustentáveis exige visão de décadas, não sprints de meses. Fundadores esgotados tomam decisões subótimas, criam culturas organizacionais tóxicas e frequentemente abandonam seus próprios projetos por exaustão.
Lições para o Ecossistema Brasileiro
Como ator ativo em alguns ecossistemas de inovação, vejo oportunidades e riscos nesta tendência para o Brasil. Por um lado, capturar o melhor desta cultura — foco intenso, disciplina pessoal, rejeição à mediocridade, cuidado da saúde e priorização do bem-estar — enquanto adaptamos aos nossos contextos específicos. Por outro lado, o risco de importar acriticamente modelos que foram desenhados para realidades diferentes, criando pressões insustentáveis sem as estruturas de suporte necessárias.
O que proponho é um caminho intermediário: cultivar excelência sem sacrificar humanidade, buscar crescimento acelerado sem destruir pessoas no processo, adotar disciplina sem cair em culto da performance extrema.
Construindo ecossistemas sustentáveis
Para consolidar ambientes de inovação saudáveis, precisamos de:
• Liderança Responsável: Empreendedores de sucesso compartilhando não apenas vitórias, mas também os custos reais de suas jornadas. Transparência sobre burnouts, fracassos e aprendizados.
• Métricas Holísticas: Avaliar sucesso não apenas por velocidade de crescimento ou captação, mas também por sustentabilidade, saúde organizacional e impacto de longo prazo.
• Suporte Estrutural: Investidores e aceleradoras que encorajam práticas sustentáveis, não apenas crescimento a qualquer custo. Mentorias que incluem gestão da energia e bem-estar pessoal, não apenas gestão de negócios.
• Diversidade de Narrativas: Amplificar histórias de sucesso que não seguem o modelo "trabalho extremo". Mostrar que há múltiplos caminhos para construir empresas de impacto.
Paradoxalmente, a verdadeira inovação que precisamos pode não estar em trabalhar mais horas, mas em trabalhar de forma radicalmente mais inteligente. Inteligência artificial, automação e novas metodologias de gestão oferecem oportunidades de multiplicar impacto sem multiplicar horas trabalhadas.
Empresas que descobrirem como gerar crescimento exponencial com jornadas sustentáveis terão vantagem competitiva dupla: atrairão talentos diversos e manterão suas equipes produtivas por décadas, não apenas meses.
Mensagem para a nova geração
Se você é parte desta nova geração tech, respeito profundamente sua dedicação e ambição. Seu desejo de construir algo significativo, de causar impacto real, de resolver problemas importantes — isso é admirável e muito necessário.
Mas permita-me compartilhar uma sabedoria de quem viu gerações de empreendedores passarem: o jogo é longo. Muito longo. Sucesso sustentável é construído ao longo de décadas, não meses.
Cuide de si mesmo com o mesmo rigor que dedica ao seu negócio. Sua saúde física e mental não são luxos que se negocia por sucesso — são fundamentos sem os quais sucesso duradouro é impossível.
Trabalhe intensamente quando necessário, mas saiba quando descansar. Seja disciplinado, mas também seja compassivo consigo mesmo. Busque excelência, mas não perfeccionismo destrutivo.
E lembre-se: você não está competindo apenas pelo próximo trimestre ou pela próxima rodada de investimentos. Está construindo uma vida inteira. Certifique-se de que é uma vida que vale a pena viver.
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Carlos Alejandro Rueda Angarita
Consultor Empresarial, Mentor Internacional de Negócios Inovadores e de Impacto Social, Doutor, Cum Laude, em Economia da Empresa, Mestre em Desenvolvimento de Sistemas para o E-commerce, Mestre em Economia da Empresa pela Universidad de Salamanca (Espanha), Administrador de Instituições de Serviço pela Universidad de La Sabana (Colômbia), +10 anos de experiencia em cargos de liderança, CEO do Núcleo Gestor do Ecossistema de Inovação de Campina Grande (E.INOVCG), Embaixador da Economia Criativa da RBCC - Rede Brasileira de Cidades Criativas (UNESCO), Colunista do Portal Digital Hora Agora, Co-líder do NASA Space Apps International Challenge e do Tech Brazil Advocates Campina Grande.