Campina Grande, 31 de outubro de 2025
Por que o Brasil lidera em quantidade, mas perde em escala e como Campina Grande pode virar o jogo.
O Brasil é o celeiro latino-americano das deeptechs, startups baseadas em ciência e engenharia de fronteira, capazes de resolver problemas complexos em saúde, agro, energia, novos materiais, e muito mais. Com 952 empresas, o Brasil responde por 72% do ecossistema regional. Dominamos em biotecnologia, crescemos em inteligência artificial aplicada e emergimos em computação quântica e climate tech.
Mas há um paradoxo incômodo: somos campeões em número de startups, porém ficamos atrás de Chile e Argentina em captação de capital privado. Enquanto cases isolados desses países levantam centenas de milhões de dólares, 47% das nossas deeptechs nunca receberam investimento e apenas 7% acessaram capital privado. O grosso do funding vem de fomento público, por exemplo: FAPESP, Finep, Embrapii, que sustenta a sobrevivência, mas não resolve o "vale da morte" entre o protótipo e a escala industrial.
O gargalo é estrutural, não de talento
Não faltam ideias nem cérebros. O problema é capital paciente e infraestrutura de demonstração e conexões estruturadas que permitam levar as patentes para o mercado que as valoriza. Venture capital brasileiro prioriza negócios digitais de retorno rápido; poucos fundos topam ciclos de 5 a 10 anos, CAPEX de plantas-piloto, ensaios clínicos ou certificações regulatórias. Resultado: startups brilhantes morrem antes de provar viabilidade comercial, ou pivotam para modelos menos disruptivos.
A boa notícia é que o Brasil está acordando. A Nova Indústria Brasil, uma política industrial, que articula missões nacionais em clima, saúde, agro e transformação digital. BNDES e Finep aprovaram R$ 14 bilhões em 2025 para inovação. O Protocolo Deep Tech Brasil une Finep, BNDES, FAPESP, CNI e universidades para estruturar compras públicas inovadoras, sandboxes regulatórios e fundos-ponte. Embrapii já mobilizou R$ 6 bilhões em projetos de P&D aplicada, conectando laboratórios a demandas industriais.
Mas política nacional não basta. São necessários polos regionais, ecossistemas locais de inovação e negócios fortes que traduzam essa estratégia em resultados concretos: patentes que viram produtos, pesquisadores que viram founders, pilotos que viram contratos, precisamos ir além da transferência tecnológica.
Campina Grande: a potência adormecida
E é aqui que entra Campina Grande.
A cidade já tem o DNA necessário: UFCG, uma das principais depositantes de patentes no Brasil, liderando o ranking de instituições de ensino superior em anos anteriores e figurando no top 3 de universidades em 2023 e 2024, conforme rankings do INPI, forma gerações de engenheiros em computação, elétrica, mecânica e materiais; o ecossistema local respira tecnologia há décadas; e a região enfrenta, no dia a dia, os desafios que o Brasil e o planeta precisam resolver, como escassez hídrica, energia renovável em ambiente extremo, agricultura resiliente ao clima e saúde pública de baixo custo.
Campina Grande pode se tornar referência nacional em deeptech não apesar do semiárido, mas por causa dele. Poucos lugares no Brasil oferecem ambientes reais tão exigentes para validar soluções em água, energia solar/eólica, agro de sequeiro e saúde remota. É um laboratório vivo.
Mas transformar potencial em liderança exige estratégia deliberada. Aqui vai o caminho:
1. Especialização inteligente: escolher batalhas que podemos vencer
Campina Grande não precisa competir com São Paulo em biotecnologia médica ou com o Sul em manufatura tradicional. Deve focar em 3 a 4 verticais onde pode ser a melhor do Brasil em três anos:
• Clima e energia: eletrônica de potência, armazenamento/baterias para solar e eólica, gêmeo digital de redes, manutenção preditiva com IA.
• Agro semiárido e água: sensores para baixa disponibilidade hídrica, bioinsumos resistentes à seca, dessalinização de baixo custo, fotônica para monitoramento.
• Saúde digital e dispositivos: visão computacional, IA médica, biossensores para SUS, telemedicina com hardware embarcado.
• Materiais avançados: compósitos, nanomateriais e reciclagem aplicados a mobilidade, embalagens e construção sustentável.
Cada vertical deve ter "desafios-missões" anuais, conectando universidade, startups e âncoras industriais em projetos com KPIs públicos.
2. Transformar patentes em negócios: "Patent-To-Product CG"
Campina Grande já produz propriedade intelectual. O desafio é monetizá-la.
É preciso se valer do Ecossistema de Inovação de Campina Grande (E.InovCG), como escritório unificado de PI e transferência de tecnologia como resultado da união dos esforços dos NIITs da UFCG, UFPB, UEPB, IFPB, INSA, além dos parques tecnológicos, Sistema S, entre outros, com metas trimestrais: depósitos prioritários, buscas internacionais, liberdade de operação (FTO), licenciamento rápido e criação de spin-offs. Sem deixar de procurar cliente para as patentes já existentes, cada nova patente deve nascer casada com um cliente-alvo, uma rota regulatória e uma empresa-âncora para piloto.
E mais: um fundo semente para "prova de patente" (R$ 200-500 mil por ativo) que financie protótipos, testes e FTO, abrindo as portas para PIPE/Finep/Embrapii.
3. Infraestrutura de demonstração: encurtar o "vale da morte"
Startups deeptech morrem porque não conseguem bancar plantas-piloto, testes ambientais, ensaios de conformidade e certificações. Campina Grande precisa de Centros de Competência locais (modelo Embrapii/SENAI):
• Laboratórios abertos para eletrônica de potência, teste de baterias, ensaios de sensores, metrologia.
• Núcleo regulatório com checklists por vertical (Anvisa, Inmetro, Aneel, Mapa), reduzindo tempo e custo de aprovação.
• Fundo-ponte municipal/estadual (R$ 1-3 milhões por projeto) coinvestido com Finep/Embrapii, liberado por marcos técnicos e atrelado a contratos-piloto.
4. Demanda garantida: compras públicas e cadeias industriais
Tecnologia sem cliente não escala. Campina Grande precisa virar first buyer das suas próprias soluções:
• Compras públicas inovadoras: prefeitura e governo estadual comprando soluções de água, saúde digital, eficiência energética, educação STEM via encomendas tecnológicas.
• Encadeamento industrial: acordos com parques eólicos/solares, saneamento regional, agro resiliente, logística; programas de "supplier development" ligando grandes compradoras às deeptechs locais.
• Consórcios regionais: projetos multi municípios (energia/água/saúde) para elevar tickets e gerar escala comercial.
5. Capital paciente: blended finance
Deeptech exige financiamento híbrido. Campina Grande deve estruturar um fundo local de coinvestimento (R$ 50-100 milhões) combinando:
• Subvenção (PIPE/FAPESQ/Finep)
• Crédito com garantia (BNDES/Finep)
• Corporate Venture Capital (CVC) de âncoras regionais
• Venture Capital (VC) nacional e internacional
Recursos liberados por marcos técnicos e regulatórios (Nível de Prontidão Tecnológica – TRL 4→7), reduzindo risco e diluição.
6. Talento e cultura: formar founders, não só pesquisadores
Deeptech exige um novo perfil: pesquisadores que entendem de negócio, regulação e internacionalização. Campina Grande precisa de:
• Spin-off Academy: formação de founders técnicos, CTOs, fellows regulatórios.
• Atração de cérebros: bolsas para doutores/engenheiros e pacotes para ex-alunos no exterior (boomerangs).
• Visibilidade nacional: "Campina Grande Deep Tech Week" anual com demo day para âncoras e fundos; roadshows nacionais e internacionais.
Por que Campina Grande pode vencer
Poucos lugares no Brasil podem competir com a relação custo-benefício de P&D e prototipagem de Campina Grande. Poucos têm um laboratório real tão exigente quanto o semiárido para validar soluções de clima, água e agro. E poucos têm uma base técnica tão sólida em áreas críticas para o futuro — IA, eletrônica de potência, sensores, materiais.
O que falta não é capacidade. É coordenação, capital e ambição.
Se o Brasil quer transformar sua liderança numérica em deeptechs em liderança econômica, precisa de cidades que façam a ponte entre laboratório e fábrica, entre patente e produto, entre pesquisa e mercado.
Campina Grande pode ser essa ponte. Pode ser a referência brasileira em deeptech para clima, água e agro semiárido, entre muitas outras, com IA e manufatura avançada como habilitadores transversais.
A pergunta não é "se" Campina Grande pode liderar. É "quando" vamos começar.
O celeiro já existe. Agora é hora de começar a colher.
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Carlos Alejandro Rueda Angarita
Consultor Empresarial, Mentor Internacional de Negócios Inovadores e de Impacto Social, Doutor, Cum Laude, em Economia da Empresa, Mestre em Desenvolvimento de Sistemas para o E-commerce, Mestre em Economia da Empresa pela Universidad de Salamanca (Espanha), Administrador de Instituições de Serviço pela Universidad de La Sabana (Colômbia), +10 anos de experiencia em cargos de liderança, CEO do Núcleo Gestor do Ecossistema de Inovação de Campina Grande (E.INOVCG), Embaixador da Economia Criativa da RBCC - Rede Brasileira de Cidades Criativas (UNESCO), Colunista do Portal Digital Hora Agora, Co-líder do NASA Space Apps International Challenge e do Tech Brazil Advocates Campina Grande.
