Por Saulo Nunes
Segunda-feira, 20 de outubro/2025. Surgiu na tela do meu celular um vídeo da Associação dos Policiais Civis da Paraíba (Aspol) “denunciando” o que a associação trata como “descaso” no prédio da Delegacia Seccional de Monteiro. Conforme aprendi na faculdade de jornalismo há mais de 20 anos, tentei assistir àquela mídia como um cidadão qualquer, desprovido de qualquer ligação profissional com o caso. Assim, a gente consegue ter uma noção melhor de como o vídeo impacta na sociedade.
A primeira impressão que me veio à cabeça foi: “como é que aqueles policiais civis são tão desleixados e incompetentes assim, para deixarem aquela delegacia virar uma pocilga?” Isso mesmo que você leu. Para mim, enquanto usuário da internet comum do povo, a mensagem que o vídeo da Aspol me passou foi exatamente esta: “desleixo de quem ali trabalha”.
O motivo é simples (e óbvio!): se você vai registar um boletim de ocorrência na Delegacia Seccional de Picuí, por exemplo, não verá aquele “lixo” registrado pela Aspol em Monteiro. Se for à Delegacia Seccional de Queimadas, também não verá aquelas imagens apocalípticas. Idem para a Delegacia Seccional de Cajazeiras. E a Delegacia Seccional de Bayeux, então, nem se fala. O prédio parece uma clínica particular de oftalmologia.
Então, para um expectador minimamente pensante, a “imundície” mostrada pela Aspol na Delegacia Seccional de MONTEIRO é culpa quase que exclusivamente dos policiais que ali trabalham. Ora... se nas demais Seccionais o cenário é tão distinto, então, por óbvio, o problema está mesmo nos servidores que convivem no lixo.
O OUTRO LADO...
Por coincidência, eu tinha agenda de trabalho no cariri paraibano na terça-feira, 21 de outubro. Aproveitei o ensejo e fui conferir de perto a “tragédia” exibida no vídeo da Associação dos Policiais Civis. Conversei com o delegado seccional em Monteiro, Gilson Duarte, e com alguns investigadores também. Aí, começa a vergonha alheia...
A piscina
No vídeo/denúncia – publicado pela Aspol na segunda-feira, 20/out., aparecem imagens de uma piscina com mato, lodo e água suja, típica de local abandonado. Na terça-feira, 21/out, eu vi pessoalmente um ambiente limpo, totalmente diferente das imagens divulgadas pela associação 24 horas atrás. Olhei para o delegado, e ele me perguntou: “Você acha que eu passei a noite de ontem limpando essa piscina aí?”
Pois é. As imagens usadas pela Aspol para detonar a Delegacia Seccional de Monteiro eram antigas, induzindo o povo – policial ou não – a erro de reflexão sobre o caso. O prédio da Delegacia Seccional de Monteiro é uma casa alugada e tem uma piscina em desuso que, quando chove, claro, acumula água.
“Mesmo assim, a gente coloca os produtos que são utilizados para o controle de insetos”, explicou-me o delegado.
As motos
Na mesma “denúncia”, a Aspol exibe imagens de várias motos empilhadas na área externa da Delegacia Seccional e classifica o lugar como “delegacia sucateada com objetos entregues à deterioração”.
De fato, eu vi bem à minha frente cerca de 80 motos lá. A Aspol só não teve a honestidade de dizer a mim – enquanto policial ou espectador do povo – que aqueles veículos só podem sair dali com determinação judicial. Por mais que os policiais lotados na Delegacia Seccional de Monteiro queiram limpar aquele pátio, não podem fazê-lo sem que o PODER JUDICIÁRIO permita a remoção das motocicletas. A justiça, aliás, sequer é citada no vídeo/denúncia publicado pela associação, e a “culpa” pelo cenário de horror caiu no colo de quem trabalha na delegacia.
Mas... e os motivos?
Enquanto a parte que cabe às decisões judiciais foi omitida (intencionalmente?) no vídeo, dois nomes foram bem lembrados na exibição da mídia: o do secretário de Segurança, Jean Nunes, e o do delegado-geral da Polícia Civil, André Rabelo. No contexto da “denúncia”, Jean e André seriam os responsáveis pelo descaso ali apresentado.
O estranho é que Nunes e Rabelo são justamente dois dos principais nomes responsáveis pela chamada desconcentração administrativa – também conhecida como “Autonomia Administrativa” – conquistada pela Polícia Civil em 2019.
Sabe essa explosão de prisões/operações realizadas pela PCPB nos últimos anos? Sabe a recaptura no Rio de Janeiro do mentor da Barbárie de Queimadas? Sabe as diversas prisões que a Polícia Civil da Paraíba faz de foragidos em outros estados? Pois é... Sem essa ‘Autonomia’ conquistada em 2019, esses bons serviços prestados à população paraibana jamais teriam acontecido na velocidade e eficiência que ocorreram (já escrevi sobre esse assunto aqui na coluna).
Assim, para um espectador (policial ou não) mais atento, a história completa desse vídeo pode revelar outros motivos almejados pela Aspol, que não, necessariamente, a melhoria nas condições de trabalho dos policiais. Os últimos cinco anos revelam o quanto a Polícia Civil cresceu na Paraíba (o Google nos ajuda nessa constatação), e soa no mínimo estranho que uma entidade representativa de policiais civis tente negar esse avanço. Pior ainda quando se põe a “culpa” de um lixão em que não deve...
“Ahh, mas o objetivo é salário”
Julgando pelo vídeo, eu tenho minhas dúvidas.
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Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil
