Eu sei como ACABAR com mortes decorrentes de ações policiais. E não é ironia! - Saulo Nunes

“O que é ciência?” Fiz essa pergunta ao Google na manhã desse domingo, 02/novembro, antes de iniciar este texto para a coluna aqui no Hora Agora. A resposta foi: “Ciência é o conhecimento sistemático e organizado sobre o mundo, obtido através de observação, experimentação e um método rigoroso, que visa a explicar fenômenos e formular previsões testáveis”.  Com base nesse conceito – ou seja, na CIÊNCIA – podemos chegar à solução de um problema que é, talvez, o mais discutido nos últimos dias, devido ao resultado da Operação Contenção no Rio de Janeiro: como zerar o número de mortes decorrentes de ações policiais?

Para a reflexão de hoje, vou colocar o leitor no banco da viatura comigo. E não se preocupe; o passeio será seguro. Tudo começa quando o investigador de polícia recebe um documento chamado “Ordem de Missão” (o nome costuma variar entre as 27 unidades federativas do país). O documento pode conter diversos tipos de ações, como confirmar determinadas informações com ‘fulano’ ou ‘cicrano’; verificar um endereço em um bairro ‘tal’; analisar imagens do crime ‘tal’; intimar ‘fulano de tal’ a comparecer à delegacia na data informada no documento... Entre outras tantas atividades adotadas no trabalho de investigação. 

Essa última ação mencionada no final do parágrafo acima – intimar pessoas a comparecerem à delegacia – é crucial para o tema-chave do texto de hoje. Por muitas centenas de vezes, eu e outros colegas recebemos ordens de missão com essa tarefa, entramos na viatura, fomos até os endereços apontados, batemos às portas dos procurados e cumprimos a missão sem maiores percalços. 

Um dia, pensei:

“Stive, a gente faz isso todo santo dia. Deveria existir uma espécie de aplicativo para contabilizar cada ação dessa, com o nome da pessoa intimada; o endereço do intimado; se a pessoa foi encontrada ou não; por que não foi localizada (quando for o caso); enfim... um ‘raio-X’ do serviço”, comentei certa vez com o colega que trabalhava comigo.

Não que contabilizar entrega de intimações seja de grande valia para baixar índices de violência, não é isso. Mas como a Estatística é “a ciência que se dedica a coletar, organizar, analisar e interpretar dados para auxiliar na tomada de decisões” (vide Google de novo), esse volume de missões cumpridas dentro das quatro linhas da perfeição é argumento forte nas discussões que pipocam o Brasil nos últimos dias. 

Nessas muitas centenas de intimações entregues, eu tive a ‘sorte’ de nunca ter sido obrigado pelas circunstâncias a atirar contra as pessoas intimadas. E não se engane, o perfil dos procurados era bem variado: assassinos, assaltantes, traficantes, estupradores, estelionatários, agressores de mulheres, perturbadores do sossego alheio que não se contentam em ouvir um som ambiente... Teve de tudo.

E em mais de dois mil dias de trabalho nas ruas (ultimamente exerço, temporariamente, funções administrativas), nunca precisei atirar em quem eu estava procurando por força de Ordem de Missão. Até já efetuei disparos em serviço, mas o alvo não era, oficialmente, um procurado da polícia. Foi uma ocorrência bem específica, cujos detalhes deixo para outra oportunidade.

NINJA OU SANTO?

Não, eu não sou um protótipo de policial perfeito que nunca erra. A discussão não é por aí. Se eu venho tendo a sorte de não precisar disparar contra pessoas intimadas é porque ELAS contribuíram para isso. 

Apesar de serem assassinos, assaltantes, traficantes, estupradores, estelionatários, agressores de mulheres, perturbadores do sossego alheio que não se contentam em ouvir um som ambiente (e etc.), nenhum deles me deu motivos (até o momento) para que eu apertasse o gatilho. Nessas horas – e dependendo de cada ocasião específica –, alguns deles fogem sem agredir o policial; outros se escondem dentro de casa (e lembre-se que Ordem de Missão NÃO É Mandado de Prisão); mas a grande maioria recebe o documento da Intimação, assina-o e decidem depois se vão ou não à delegacia. A partir daí, é outra matemática que tem de ser feita. 

OBSERVAÇÃO/EXPERIMENTAÇÃO

Apaixonado que sou pela ciência da Estatística, gostaria muito de saber quantas vezes, efetivamente, isso aconteceu comigo nos mais de cinco anos que atuei no serviço de rua/delegacia. Se eu escrever um relatório informando, por exemplo, que de 2015 a 2020, eu intimei pessoalmente 3.652 investigados por roubo, homicídios, estelionato, tráfico de drogas, violência doméstica (e etc.), e nenhum deles foi ferido/baleado por mim, eu ofereço uma mesa farta a quem saboreia o alimento da Ciência criminal. 

“Ora..., mas como pode? Num país tão violento? Numa polícia tão despreparada?”

A EXPLICAÇÃO DO FENÔMENO

Como já frisei acima, eu não sou ninja nem santo. As milhares de pessoas/bandidos que já entreguei intimações em mãos nunca me agrediram. Por medo, respeito ou um mínimo de inteligência, o máximo que fizeram foi botar uma ‘cara feia’ de quem não gosta de polícia, e isso, convenhamos, não é motivo para eu atirar em ninguém.

PREVISÕES TESTÁVEIS

Além de não ser ninja nem santo, eu também não sou exceção nessa história. O trabalho do primeiro contato pessoal com criminosos sem causar-lhes ferimentos é REGRA nas polícias, e não exceção. Milhares de policiais repetem a minha ‘façanha’ todos os dias, o ano inteiro, nos quatro cantos do país. Logo, estamos diante de um banquete científico para quem, verdadeiramente, diz se pautar pela Ciência para discutir segurança pública. 

A CONCLUSÃO

Eu já vi campanha de orientação/conscientização para quase tudo nessa vida: “Não fume”; “Não Use Drogas”; “beba com Moderação”; “Direção e álcool não combinam”; “Não é Não”; “Não dê Esmolas”; “Proteja o Meio Ambiente”; “Paz no Trânsito”; “Todos contra a Dengue”; “Não venda seu voto”.

Mas num país que consegue comprovar cientificamente a equação “recepção pacífica = zero mortes” no primeiro contato entre polícia e procurados, parece ser vergonhoso ou cafona abraçar campanhas do tipo:

“NÃO REAJA CONTRA POLICIAIS”; 

“NUNCA APONTE ARMAS PARA POLICIAIS”; 

“SE ENTREGUE À POLÍCIA E SALVE VIDAS!”; 

“MEDIR FORÇAS NÃO COMPENSA, ENTREGUE-SE!”

“NÃO MORRA PELO SEU TRAFICANTE!”

“É PROCURADO? MELHOR SE ENTREGAR!”

“FOI ENCONTRADO? MELHOR NÃO REAGIR!”

Essa ausência de pressão midiática em favor da vida – “Não reaja contra policiais, senão você pode morrer!” – dá a impressão de que a pessoa procurada pela polícia/justiça tem o direito de viver foragida. Por outro lado, outra ‘campanha’ que diz “Nunca reaja a assaltos” – essa, sim, muito disseminada ao longo de décadas – petrificou na cabeça dos criminosos a ideia de que é obrigação das vítimas entregarem seus bens sem pestanejar, “senão elas morrem”. 

TESTADO E PROVADO!

Meus números mostram como acabar com as mortes em ações policiais. Tenho milhares de exemplos reais, concretos, documentados em centenas de inquéritos policiais nos quais trabalhei. Eu mostro, cientificamente, o que as pessoas procuradas pela justiça devem fazer para NÃO MORREREM quando localizadas pelos policiais. É só aplicar a fórmula. 

Os mais de 100 NARCOTERRORISTAS que morreram em confronto com as polícias no Rio de Janeiro bem que poderiam estar vivos, como optaram os mais de três mil criminosos/suspeitos/investigados que receberam pacificamente das minhas mãos a ordem para comparecer à delegacia.

Por medo, respeito ou o mínimo de inteligência, é só aplicar a fórmula. 

E a grande imprensa brasileira precisa incentivar isso. 

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Saulo Nunes é escritor, policial civil e jornalista

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