"Uma análise dessa pérola que versa sobre 'a função da arma de fogo'" - Saulo Nunes


“Arma só serve para matar, não tem dupla função. Faca corta alimentos; machado corta madeira; tesoura corta papel. E armas matam pessoas”.

O trecho entre aspas acima é facilmente encontrado na internet. Não sei, exatamente, de quem é a autoria do pensamento, mas certamente é de algum gênio da humanidade que muito provavelmente nunca pegou em uma arma de fogo e saiu disseminando ‘teses’ desse tipo.

Não raro, ‘especialistas’ dessa natureza leem meia dúzia de livros/citações de mesma linha de raciocínio, ignorando a principal função de uma arma – que NÃO é matar – e saem multiplicando  esse magnífico saber para milhares (milhões!) de outros futuros especialistas de escritório. Triste realidade brasileira. 

Não sei por onde começar…

Vou falar sobre a história da enfermeira Sara. Ela vinha chegando à sua casa, por volta das 20h, na moto Honda Biz cujas parcelas ainda estavam sendo pagas, e foi abordada por dois assaltantes que vinham na sua cola desde longe. Assim que ela parou para abrir o portão, os assaltantes anunciaram o roubo.

Mas não deu tempo. Um ‘assassino’ armado que mora três casas após a da enfermeira sacou seu “instrumento de morte” e começou a efetuar disparos de advertência (tiros para o alto). Como bandido não quer confronto com ninguém, os dois meliantes fugiram sem levar absolutamente nada da jovem, a não ser um pedaço de sua saúde mental, cujos prejuízos não tenho como mensurar. Ninguém morreu na empreitada, e a vítima continuou com sua moto.

Poderíamos citar também o caso de Raoni. O policial estava de folga e dirigia seu carro como mais um cidadão qualquer no trânsito. Parou no sinal e percebeu uma confusão dois veículos à sua frente. Motoqueiro e motorista se desentenderam; o condutor do carro saiu com um facão em direção ao motoqueiro; e Raoni – mesmo sozinho – não segurou o sangue vibrar nas veias: sacou seu “instrumento de morte”, identificou-se como policial e apontou a pistola bem para o meio do tórax do motorista nervoso. Dois minutos depois, os [quase] assassino e assassinado foram embora para seus destinos. Vivos!

Só mais um (prometo). Thiago ‘Gordinho’ – assim chamado por amigos devido à saudosa magreza de outrora – dormia o sono dos justos, por volta das 22h, quando foi acordado de supetão pela esposa. “Ei, acorda, estão tentando arrombar a porta!”, disse ela, aos prantos.

Thiago despertou desorientado, pegou sua arma e foi até a sala. Não viu ninguém. Correu para a janela do primeiro andar do quarto onde dormia e avistou o invasor da residência. Visivelmente um ‘noiado’ (usuário de drogas em seu estágio avançado de decadência), o elemento estava plantado no meio da rua vazia, olhando para a casa do policial.

O sangue ferveu nos nervos de Thiago. Em cinco segundos, o policial que queria apenas dormir sossegado em sua casa lembrou que teria de abordar o drogado, acionar a polícia, ir para a delegacia relatar o caso, assinar papeis e depois ser chamado na Justiça para relatar tudo de novo... 

Se fizesse isso, talvez ele voltasse para a sua cama três ou quatro horas depois, naquela noite mal dormida. 

Que nada… Dali daquela janela mesmo, o policial mirou o calçamento próximo aos pés daquele ‘zumbi’ e viu o cano da sua pistola cuspir fogo. Não quis matar o invasor e muito menos perder tempo com a burocracia necessária que, no fim das contas – para o caso em tela – “não dá em nada”.

Mas aquela audácia do drogado também não ficaria de graça. ‘Gordinho’ acordou quase toda a vizinhança próxima com os tiros que efetuou e fez o indivíduo correr como nunca antes na vida. Sem precisar matar ninguém, o policial deu o recado rápido e eficiente de que “voltar àquela casa não será uma boa ideia”.

Para um bom leitor, eu não preciso entrar em mais detalhes.

A grande função de uma arma e fogo é DEFENDER – a si e a terceiros.

O resto é conversa de quem insiste em reproduzir os discursos dos que vivem à margem da vida real.

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Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande 


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