"O ministro Barroso ‘copiou’ a minha ideia??? – Não acredito..." - Por Saulo Nunes


Toda a grande imprensa brasileira estampa em suas manchetes a determinação do ministro Luís Barroso, do STF, de criar [imediatamente] “comissões para mediar eventuais despejos antes de qualquer decisão judicial”. Tentando resumir, é como se o ministro tivesse mandando alguém “aprofundar o diálogo” antes de enviar tropas armadas para fazer valer a lei, nos conflitos de reintegração de posses. No meio policial, a gente chama isso de Uso Progressivo da Força.

Assim que vi em meu telefone celular a manchete do CNN dizendo “Barroso determina que tribunais criem comissões para mediar desocupações coletivas antes de decisão judicial”, voltei nada menos do que dez anos no tempo, quando eu refletia sobre ideia parecida, enquanto fazíamos a contagem de quase mil presos na penitenciária do Serrotão, em Campina Grande. 

Lá naquele biênio 2011-2012, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) acabara de ganhar uma espécie de “acesso livre” às unidades prisionais, para exercer com mais liberdade o seu papel de ‘fiscalizador’. E como a época ainda era marcada por episódios razoavelmente frequentes de motins e rebeliões nas penitenciárias, não faltava pauta para a confecção de relatórios e veiculação de denúncias na imprensa, acerca da “forma como os agentes penitenciários tratavam os presos em dias de motins", por exemplo.

Daí, inquieto que sou, passei a refletir sobre as denúncias do CEDH. E cheguei à conclusão de que deveríamos adotar medidas bem parecidas com as determinadas agora – dez anos depois – pelo ministro Luís Barroso.

A ideia era convidarmos representantes dos mais diversos segmentos defensores das pautas de Direitos Humanos – Pastoral Carcerária, Universidade, OAB, ONGs em geral e o próprio CEDH –, de modo que pudéssemos criar comissões para “aprofundar o diálogo” quando da ocorrência de motins no Serrotão. Ou seja, antes de os agentes prisionais pegarem em armas para evitar fugas e mortes, os representantes dessas comissões entrariam em campo, no diálogo, para tentar contornar os conflitos. Estratégia pacífica e humanizada de se evitar o derramamento de sangue nos labirintos do cárcere.

Num primeiro momento, o então diretor do Serrotão e meu amigo pessoal, Manoel Osório, abriu um sorriso estranho e disse que aquilo não faria sentido. Mas o lanche das 15h naquela penitenciária – pão produzido no presídio, recheado com a carne cozida e temperada pelos detentos e acompanhado de um suco cuja fruta brotava do próprio chão da cadeia – era de abrir qualquer mente embaralhada por ideias malucas.

Com a pompa de um ministro do Supremo Tribunal Federal, eu expliquei exaustivamente a importância de o presídio poder contar com a ajuda de pessoas/segmentos dispostos a evitar mais violência em um lugar que é “povoado de maldades” (palavras inesquecíveis do médico/escrito Dráuzio Varella). Manoel Osório acabou compreendendo o raciocínio e mandou pintar e limpar uma sala exclusivamente para os nossos futuros novos ajudantes. Nós, agentes penitenciários, estávamos a um passo de adotar um procedimento bem parecido com defendido pelo ministro Barroso, que a revista Veja classificou há 48 horas como ‘medida inédita’. 

Eu estava empolgado mesmo. Publiquei textos sobre o assunto em um blog que eu administrava e cheguei a tentar um apoio com o sindicato dos agentes penitenciários. Ao que parece, a entidade sindical não conseguiu captar a mensagem, e ficamos apenas eu e Manoel Osório com a expectativa de aquele ‘sonho’ virar realidade.

Que eu me lembre, somente a OAB encaminhava seu representante, às sextas-feiras, para nos ajudar nesse projeto. Inclusive, o advogado da Ordem chegou a colaborar conosco, em algumas “situações de estresse” (contém eufemismo).

O fato é que eu fiquei no Serrotão até meados de 2014, quando fui convocado para curso de formação na Academia de Ensino da Polícia Civil (Acadepol), e não tive mais notícias daquela sala quase vazia no Serrotão. Serei eternamente grato à OAB pela ajuda, e – inevitavelmente – desconfiado de alguns setores supostamente indignados com a violência “empregada pelos agentes penitenciários em dias de motins”.

Dez anos se passaram. Para eu não “perder de tudo”, gostaria de informar ao ministro Barroso que, em 2011-2012, um carcereiro inquieto no interior do cárcere paraibano já pensava em algo parecido, em matéria de “mediação de conflitos”. 

Quem sabe um dia, né?... 

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Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande 

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