O efeito colateral no tratamento de qualquer doença é a "dor" - Por Saulo Nunes


Dói. Seja a picada da agulha numa simples vacina contra a Covid 19, ou as pesadas sessões de quimioterapia, o processo de busca pela cura/prevenção é doloroso, em maior ou menor grau. Quem nunca fez cara feia com o motorzinho do dentista matando a cárie? Eu, quando quebrei meu braço (o úmero esquerdo ‘partiu’ bem ao meio), passei noites sem dormir de tanto incômodo. E nada disso é contestado pela sociedade, porque – pelo menos quando envolve a Saúde/Medicina – a dor do efeito colateral no tratamento das doenças é pacificamente aceitável. 

Daí, eu exploro meu Google e encontro inúmeras teses, artigos, opiniões e etc. dizendo que “violência é uma doença social”.  Não sei se esse diagnóstico é confiável, ou se é mero interesse do analista em se destacar pela ‘eloquência’. Afinal, a expressão ‘social’ – paz social; justiça social; inclusão social; etc. – parece soar bem aos ouvidos de uma grande plateia. 

O problema é que, quando o assunto é a ‘doença da violência’, a Saúde/Medicina dá lugar à Segurança/Polícia. Médicos e enfermeiros são substituídos por policiais, apesar de – dizem – ser a violência uma doença [social, mas doença]. Seringas e bisturis perdem sentido, e as armas (letais ou não) entram em cena. Todo um “aparato de tratamento” absurdamente diferente dos convencionais é acionado para cuidar da ‘saúde’ das pessoas. Mas tem um detalhe: “não deve haver dor! ”

O cidadão/paciente comum é meio que ‘obrigado’ a aceitar os sinais dolorosos transmitidos ao cérebro, quando de um simples curativo feito por enfermeiros na ala de um hospital qualquer. O profissional de saúde passa a gaze com ou sem leveza sobre os ferimentos, e o enfermo trinca os dentes o quanto pode. “É assim mesmo, a dor faz parte do processo”. 

Já um policial tem de ser convincente o bastante para explicar, em audiência de custódia, aquele arranhão no braço da pessoa (ou seria “doente social”?) que ele prendeu há menos de 24 horas, sob pena de responder judicialmente por tortura. Para muitos debatedores, a doença social é a única que não deve permitir ‘dor’ em seu tratamento. 

Não raro, os defensores da ideia expõem dados [duvidosos] sobre supostos excessos cometidos pelas polícias, durante o “cuidado com doentes sociais”. É como se os policiais fossem munidos de uma espécie de potente ‘Dipirona’ capaz de relaxar o paciente/criminoso, antes mesmo que este seja alvo de uma abordagem nas ruas.

Não, não estou ignorando os erros e excessos policiais. Eles existem, devem ser discutidos e combatidos, como acontece (ou deveria acontecer) em todos os setores da sociedade. As polícias amargam em seus quadros uma fatia de agentes de segurança descompromissados com sua verdadeira missão. Idem para a Saúde/Medicina e toda espécie de profissão que nos venha à mente.

E filosoficamente falando, eu até concordo que “violência é uma doença social”. É discutível. Só não vejo lógica exigir que seu tratamento/prevenção seja capaz de dispensar efeitos colaterais dolorosos. 

Se alguém tiver a receita, favor me mande. Assinada!


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Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande 

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