Caso Piancó: Delegado e imprensa têm “Dia de Vingança” - Por Saulo Nunes


Hoje, 29 de agosto de 2023, o assunto predominante nos veículos de imprensa da Paraíba foi a violência empregada por um delegado de polícia na cidade de Piancó, sertão paraibano. É muito provável que você, leitor, já esteja a par do assunto, mas eu vou resumir: a filha do delegado foi agredida (e perdeu um dente) por um colega de escola, e o delegado, para se vingar, foi até a casa do também adolescente, agredindo o jovem (que perdeu dois ou três dentes).

Eu, como pai, não queria estar na pele de nenhum dos lados. Como se diz nas mesas de um botequim aconchegante, “só sabe quem passa”. Porém, fria e confortavelmente – como um radialista qualquer agraciado com uma indicação ‘política’ –, é muito fácil apontarmos o que deve ser feito nessas horas:

“Não se pode fazer isso! O delegado exagerou! O certo é agir dentro da lei!”

Pronto. É mais fácil do que ler e seguir os aparentemente extintos manuais de jornalismo. 

Queira ou não o delegado, ele errou! Agiu por impulso. Extrapolou os limites. Ele pode até não estar ‘arrependido’ do erro, mas sou capaz de apostar que admite a falha, juridicamente falando. Diante das circunstâncias conhecidas, a autoridade policial pisou feio na bola. Optou pela vingança em detrimento da justiça, causando lesões físicas e psicológicas que podem ser de caráter permanente na vítima. 

Mas essa escolha não foi exclusividade dele. Considerável fatia da imprensa paraibana fez exatamente a mesma coisa. Essa parcela específica de comunicadores também preferiu “se vingar” do delegado em questão, por causa de um episódio ocorrido em novembro de 2011. 

À época, uma ocorrência policial envolveu o delegado em tela e o jogador Marcelinho Paraíba em Campina Grande; a imprensa correu para a Central de Polícia Civil; o delegado foi agressivo – além da conta – com alguns repórteres; e a contenda se transformou numa ferida nunca cicatrizada. Na primeira oportunidade, essa fenda mostraria ‘carne viva’ com cheiro de sangue.

Quase 12 anos se passaram, e esse dia chegou. Neste 29 de agosto de 2023, uma considerável parcela raivosa da mídia fez questão de mostrar que não há suturas cirúrgicas capazes de segurar o ‘Caso Marcelinho Paraíba’, mencionado acima, e a vingança tomou o lugar da justiça que o bom jornalismo prega.

É óbvio que, aqui, eu não me refiro às publicações jornalísticas sobre a [nova] confusão envolvendo a autoridade policial. O fato – ‘delegado invadir uma casa e agredir um adolescente’ – é notícia em qualquer lugar do mundo, e o bom jornalismo que se preze tem de divulgá-lo sem pestanejar. Isso nem se discute, tamanha a sua obviedade. 

Mas... hoje é dia de vingança! E boa parte dos comunicadores extrapolaram seus limites (sim, a liberdade de expressão também é limitada). O que essa parcela protagonizou em seus espaços de “formação de opinião” é compatível com uma sessão de tortura no corpo de um troço chamado “Código de Ética do Jornalismo”. 

Esse pedaço de papel regrador existe e saiu todo machucado, num dia em que vingança foi cobrada com vingança. 

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Saulo Nunes é policial civil e escritor

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