Será que o secretário de Segurança do Rio de Janeiro leu meu texto? - Por Saulo Nunes


No dia 15 de março de 2023, o portal de notícias Hora Agora publicou, na coluna onde eu ‘ocupo espaço’, um texto meu cujo título é “O efeito colateral no tratamento de qualquer doença é a dor”. De forma resumida, eu disse naquele artigo que nós, do povo, não contestamos as dores que sentimos quando, por exemplo, somos picados por uma agulha numa campanha de vacinação, ou quando temos o tórax rasgado ao meio em um procedimento cirúrgico mais delicado. Uma hora ou outra, a dor fará parte do processo, e “tá tudo bem”.

Só que – ainda no raciocínio daquela escrita –, quando é para tratarmos de uma doença social denominada de ‘violência’, aí o cenário muda. A polícia deve ser cuidadosa ao máximo, a ponto de não gerar dor no paciente (leia-se: na pessoa a ser presa/contida). Uma pancada, um empurrão ou mesmo um tom de voz alterado podem soar como ‘tortura’ ou abuso de autoridade, jogando sobre o policial a rápida metamorfose de herói a vilão.

Claro que a comparação publicada à época, em meu texto, não pode ter sentido literal. Óbvio. Mas o bom leitor entendeu o que eu quis transmitir nesse paralelo de realidades que envolvem profissionais da segurança e da Medicina, ambos tentando curar enfermos. 

Nesta terceira semana de maio/2025 – mais de dois anos após o Hora Agora ter publicado aquele meu artigo –, o atual secretário de segurança do Rio de Janeiro, delegado da Polícia Federal Victor Cesar Carvalho dos Santos, deu uma declaração interessante durante entrevista ao podcast Inteligência Limitada, ao falar sobre a violência no RJ.

“O Rio de Janeiro tem um câncer. A criminalidade no Rio de Janeiro é um câncer. E o câncer gera dor. E pra dor no caso de câncer é morfina. Mas a morfina acaba com o câncer? Não. Ela gera um maior conforto para o paciente, mas isso não é a solução. O que é que resolve o câncer ou pelo menos tem possibilidade de resolver? Quimioterapia e radioterapia. Só que são medicamentos que causam um impacto muito grande no organismo. O paciente perde o cabelo... fica debilitado... a pele fica opaca... Ou seja, ele piora, mas com a possibilidade de melhorar. Então, esse é o cenário que a gente vê no Rio de Janeiro”.

No decorrer da conversa, um razoável analista de discursos vai entender que Victor estava apenas explicando o porquê de a polícia ser tão ‘violenta’ (como dizem) quando tenta tratar de determinadas enfermidades sociais. 

O currículo do “médico”

De acordo com matéria publicada pelo G1-RJ, Victor Santos tem mais de 30 anos de experiência na Polícia Federal “e ações contra alguns dos nomes mais conhecidos do crime organizado no Rio”. Ou seja, o homem conhece da matéria.

A massagem do ego 

Assim que vi e ouvi o secretário/delegado fazer esse paralelo “doença x crimes; medicina x segurança”, o artigo que escrevi mais de dois anos atrás me veio à mente. E aí, perdoem-me: eu fechei os olhos e massageei meu próprio ego, porque Saulo Nunes também é filho de Deus. O delegado com mais de 30 anos de PF disse a mim mesmo (sem sequer me conhecer) que eu não estava falando bobagens em março de 2023.

O remédio para a cura?

O controle da violência exige uma sequência de tratamentos que não cabe em bula de remédios. É preciso estudar/analisar cada caso, aplicar a dosagem necessária e confiar no que os profissionais estão fazendo. Falhas? Sim, existirão. Na aplicação de uma vacina ou na amputação de um membro do corpo humano, erros sempre darão as caras e, claro, devem ser combatidos.

O que não podemos é deixar a doença se expandir, com a alegação de que seu tratamento “não pode haver dor”. Porque é isso o que acontece quando forças externas neutralizam o trabalho das polícias, sem apresentar a solução para o problema.

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