NA POLÍCIA | A lógica perversa de associar casos de suicídio a “baixos salários”


Por Saulo Nunes

Quase que eu perco a paciência com a Google tentando encontrar algum trabalho científico que me mostre, com dados concretos, quais as profissões mais propensas a casos de suicídios. Aparentemente, é um levantamento razoavelmente fácil se de fazer, mas eu não encontrei nada na internet. Se eu não soube pesquisar direito, já peço escusas pelo ato falho.

No entanto, uma das respostas que a Google me deu vem da Agência Gov, sob o título “Pressão extrema aumenta depressão e suicídio entre trabalhadores da segurança e saúde”. Entre as causas do adoecimento dos profissionais desses dois setores estaria o “confronto com a violência e a morte”, como frisa o texto publicado.

É um tanto quanto lógico. Conviver com pessoas à beira da morte em hospitais – muitas vezes sem poder salvá-las – deve ser um tormento na mente de um ser humano. O mesmo vale para quem pega em armas para matar e/ou morrer, decisão que, dependendo das circunstâncias, deve ser tomada em fração de segundos, mas que pode gerar sequelas para a vida inteira. 

Assim, não me surpreende que policiais e profissionais da saúde estejam mesmo no rol dos trabalhadores mais sujeitos a desenvolverem doenças psíquicas. Os poderes constituídos – e as próprias categorias profissionais, por meio de suas entidades representativas – devem atentar para o problema.

O caso recente

Na Paraíba, a tragédia mais recente (ao menos nas polícias) aconteceu nessa segunda-feira, 16/junho. Elmerson Guerra, policial civil, estava licenciado para tratamento de saúde [mental], não suportou a pressão da vida e “pôs fim” ao seu sofrimento. Luto na instituição e na família.

O ‘vale-tudo’

Somente Elmerson – e talvez seus familiares mais próximos – é que poderiam apontar os fatores preponderantes de sua doença. Dívidas? Traumas? Desilusão amorosa? Abuso de substâncias químicas? Acúmulo de muitos problemas ao longo da vida? 

Quem já bateu algumas horas de papo com psicólogos e psiquiatras (como eu) sabe que não é uma nem duas situações desconfortáveis que fazem o ser humano chegar ao extremo de tirar sua própria vida. O abismo é mais profundo. 

Mas infelizmente – e debruçando sobre um assunto cuja seriedade deveria ser levada ao seu mais elevado grau de humanidade –, algumas publicações tentam atribuir a dor fatal de Elmerson ao que chamam de “estrutura remuneratória” dos policiais na Paraíba. 

Ora, se baixo salário (ou algo que o valha) fosse motivo para suicídio, não haveria trabalhador assalariado no Brasil. Se um bom salário impedisse alguém de se matar, a POLÍCIA FEDERAL não estaria entre as forças de segurança pública mais afetadas pelo problema em tela. 

Particularmente, eu entendo que o salário (ou “estrutura salarial”) oferecido à Polícia Civil paraibana precisa ser ‘atualizado’. A PCPB é, de longe, a força policial que mais tem elevado o nome da Paraíba a patamares de destaque nacional; de pautas positivas; de resultados que em determinados aspectos chegam a ser surpreendentes. Isso é perfeitamente comprovável.

Mas tudo tem limite. O problema do suicídio é algo muito sério para ser resumido a uma ‘pauta salarial’. Em março deste ano, um capitão da Polícia Militar tirou sua vida dentro do 2º Batalhão, em Campina Grande. Seu salário? Entre R$ 10 mil e R$ 15 mil. 

Pela vida!

Ninguém mais do que eu defende o direito à livre manifestação do pensamento (respeitando, lógico, as normas legais vigentes). Toda e qualquer opinião deve ser respeitada. No máximo, ‘rebatida’, mas jamais censurada.

E em nome da vida, sugiro que – para além da luta JUSTA salarial –, disseminemos também os serviços prestados pelo Núcleo de Saúde da Secretária da Segurança e da Defesa Social (Sesds). Entre as opções de atendimento, estão consultas com psicólogos e psiquiatras para os policiais.

Há, também, o projeto Escuta SUSP, com atendimento psicológico, psicoterapia e outros serviços. Enquanto a batalha pela reestruturação salarial não é vencida em suas trincheiras pertinentes, façamos com que a fatia doente das polícias possa tratar as reais causas de suas dores.

Isso salva vidas.

----

Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil

Postagem Anterior Próxima Postagem