Apesar de eu acompanhar cada vez menos informações pela TV nos últimos anos – as razões parecem óbvias, mas esse tema fica para outra oportunidade –, esses dias me deparei com uma fala rápida do jornalista Cesar Tralli, âncora do Jornal Hoje, da Rede Globo. Ele disse que “Segurança Pública é a maior preocupação do povo brasileiro”. É mentira! Fake News. No mínimo, uma ilusão. Frase repetida sabe lá Deus para agradar a quem.
Tá ok, vamos poupar Tralli. Não é nada pessoal. Faz uns dez anos que eu li em um relatório não sei das quantas alguém dizendo a mesma ladainha: “Segurança pública é a maior preocupação do povo brasileiro”. Dez anos atrás, eu até acreditava nisso. Hoje, não dá mais.
Se a gente puxar mais a linha do tempo, lá em 1991 o músico Humberto Gessinger, da banda Engenheiros do Hawai – que esteve aqui em Campina Grande há duas semanas (dia 05/setembro) –, compôs a canção “Muros e Grades”. Em determinado trecho, a letra diz:
“Nas grandes cidades de um país tão violento, os muros e as grades nos protegem de quase tudo”. Pois é... Ano 1991! Coincidência ou não, o cantor baiano Edson Gomes também ecoou, naquele mesmo ano, um grito de ‘socorro’ parecido com o do gaúcho Gessinger. Sob o sugestivo título de “Criminalidade”, Edson – ícone do reggae na Bahia – convida para uma reflexão:
“As pessoas se trancam em suas casas, pois não há segurança nas vias públicas. E nem mesmo a polícia pode impedir; às vezes a polícia entra no jogo” ...
Bem, a trilha sonora é longa, antiga e atende a todos os públicos. Se o leitor fizer um exercício de memória, certamente irá lembrar de outras canções que abordam o assunto ‘violência’. O fato é que, de 1991 para cá, já são mais de 30 anos. E você vem me dizer, hoje, que a maior preocupação do povo brasileiro é com a segurança pública?! Pow, não brinca...
O CIRCO SEM PÃO
Hoje (escrevo este texto em 21/09/2025), o miserável do meu celular me exibe multidões pelo Brasil, supostamente em um ato contra o que estão chamando de PEC da Blindagem. Alguns veículos de imprensa falam em centenas de milhares de pessoas “indignadas” com a tal Proposta de Emenda à Constituição. Mais de cem mil brasileiros sacrificando o sagrado domingo, em prol da causa que mais parece um circo sem direito a pão.
Eu fico pensando como pode um povo se dizer tão “preocupado” com uma tragédia social que se arrasta por mais de três décadas e, nesse período todo, nunca ensaiou uma caminhada dessa envergadura para mostrar repulsa a tanto sangue derramado. Nós só saímos às ruas se tiver político no alto gritando ao microfone. Se o leitor ainda patina na dúvida, eu estou convicto: o brasileiro NÃO está preocupado com a violência.
O assassinato do delegado Ruy Ferraz – que, pelo menos, ainda repercute na mídia nacional – vai muito além de um ‘exemplo’ do abismo a que chegamos. O povo brasileiro não tem noção do que esse crime representa na conjuntura nacional. Se nada for feito [LOGO!], o Brasil se torna um narcoestado. E isso quem diz não sou eu. É o promotor de justiça Lincoln Gakiya, que investiga o crime organizado há anos e só permanece vivo porque respira sob escolta policial 24 horas sem cessar.
É de há muito tempo que nós, brasileiros, já deveríamos ter entrado nessa guerra de verdade. Pressionado as câmaras municipais; as assembleias legislativas; o Congresso Nacional. Exigido da imprensa pautas pensantes, inteligentes, que não se limitem ao factual sanguinário. Movimentado os representantes da sociedade civil dita organizada e os líderes comunitários cujos pais, filhos, irmãos e amigos também são vítimas da violência todos os dias.
Um povo verdadeiramente preocupado com a violência [há 30 anos?] já teria realizado uma “marcha dos 100 mil” anualmente, de preferência no 7 de Setembro, para mostrar que quer liberdade verdadeira de ir e vir, em vez de bater palmas para coturnos sincronizados. Já teria boicotado eleições – “até que vocês nos ouçam!” – e estacionado trios elétricos bem turbinados na calçada das penitenciárias. “Ou vocês param de nos matar, ou nós iremos exigir pena de morte para vocês”.
R$ 350 mil???
Fui fuçar um pouco a vida de Cesar Tralli no Google só para apimentar o texto de hoje. No portal de notícias O Tempo, o colunista André Romano publicou que o jornalista da Globo estaria deixando o Jornal Hoje pelo Jornal Nacional. A mudança de sala representaria um salto de R$ 120 mil para R$ 350 mil por mês de salário. Nada contra; isso é fruto merecido do seu trabalho.
Pulemos para o ano 2012. O rapper ‘Gabriel, O Pensador’ também deixa sua contribuição:
“Enquanto a gente sua e morre, só os bandidos de gravata seguem faturando e descansando em paz. Enquanto esses covardes continuam livres, nós só temos grades. Liberdade já não temos mais”.
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Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil