Campina, uma mãe ingrata - Por Luiz Phillipe Pinto


Assistindo a uma reportagem em rede nacional sobre pesquisadores da UEPB que desenvolveram tecnologia de ponta para detectar bebidas adulteradas com metanol, imediatamente fiz um paralelo com o mês em que Campina Grande celebra mais um aniversário. É inevitável olhar para trás e lembrar que muito do que a cidade hoje ostenta — universidades, escolas, obras estruturantes — não nasceu do acaso, mas do esforço de homens que sonharam além do seu tempo.

Quatro nomes se entrelaçam nessa trama da educação superior campinense: Edvaldo do Ó, Plínio Lemos, Raimundo Asfora e José Lopes de Andrade. Foram eles que, nos anos 50/60, ousaram imaginar uma Campina capaz de rivalizar com capitais, de transformar sua vocação comercial em um polo educacional e industrial.

Edvaldo do Ó, o Realizador, foi o cérebro inquieto por trás de grandes criações: a SANESA (Sociedade Anônima de Água e Esgotos de Campina Grande), que estruturou o abastecimento e saneamento; a CELB (Companhia de Energia Elétrica da Borborema), responsável pela modernização da energia e pela base da industrialização; e a TELINGRA (Companhia Telefônica de Campina Grande), que expandiu a comunicação e tirou a cidade do isolamento da época. Criou ainda os Postos de Classificação do Algodão e do Sisal, a Bolsa de Mercadorias de Campina Grande e até mesmo as tradicionais Palmeiras Imperiais do Açude Velho. Também presidiu Treze e Campinense, mas foi sobretudo na fundação da União Universitária Campinense que deixou sua marca, ao lado de Raimundo Asfora.

Plínio Lemos, político de visão, foi mais que um líder local: era a ponte direta em Brasília, a quem Edvaldo recorria para angariar recursos e destravar questões burocráticas na Capital Federal. Com sua influência, assegurava que os projetos ousados de Campina não morressem no papel, mas se transformassem em obras e instituições concretas.

Raimundo Asfora, a chama da juventude engajada, militou desde cedo nos movimentos estudantis, atuando bravamente na restauração do Grêmio Estudantil Campinense, um dos maiores instrumentos de defesa da classe discente. Orador vibrante e jornalista combativo, soube mobilizar gerações inteiras em torno da causa da educação. Sua força de articulação juvenil deu legitimidade ao sonho de uma Campina universitária, e mais tarde se converteu em liderança política que nunca perdeu o vínculo com as bandeiras estudantis.

José Lopes de Andrade, o professor, foi talvez o mais sereno dos quatro, mas não menos decisivo. Ocupou cargos de peso, como Secretário da Prefeitura de Campina Grande, Chefe da Casa Civil do governador José Américo de Almeida e até Ministro de Viação e Obras Públicas. Apesar da trajetória política e administrativa marcante, ao retornar a Campina escolheu voltar ao que mais lhe dava orgulho: a sala de aula. Professor por vocação, também se destacou como intelectual, sendo membro da Academia Paraibana de Letras. Sua figura sintetiza a ponte entre a prática política e o ideal acadêmico, unindo forças para erguer as bases da educação superior campinense.

O avanço da educação superior em Campina deve muito a esse esforço conjunto, que fez nascer a União Universitária Campinense, a Escola Politécnica e a Faculdade de Ciências Econômicas — embriões da Universidade Federal da Paraíba e, depois do desmembramento, da UFCG. Da Fundação Universidade Regional do Nordeste (FURNE) surgiram a UEPB e também o Museu de Artes Assis Chateaubriand.

Campina Grande ostenta hoje universidades que projetam seu nome no Brasil. É referência em educação, conhecida como o Vale do Silício do Nordeste, com uma das maiores concentrações de doutores do país: um para cada 590 habitantes — seis vezes a média nacional. Atrai estudantes e pesquisadores de todo o Brasil e até do exterior. Mas tudo isso só existe porque uma geração ousou plantar o futuro.

A UEPB, herdeira direta dessa visão, também já foi destaque nacional em tempos recentes. Durante a pandemia, desenvolveu um ventilador pulmonar essencial para salvar vidas de pacientes graves com insuficiência respiratória. Agora, mais uma vez, surpreende o país com a criação de um método simples, barato e eficiente para detectar o metanol em bebidas adulteradas.

E, no entanto, como mãe ingrata, Campina aos poucos esquece de retribuir a seus filhos o reconhecimento devido. As novas gerações pouco ou nada sabem desses nomes. Estátuas, ruas e praças raramente contam a verdadeira história dos que ousaram “pensar fora da caixa”.

Aniversários são momentos de festa, mas também de memória. Que, neste mês de celebração, Campina aprenda a olhar para trás e reconhecer os alicerces que a sustentam. Porque uma cidade que esquece seus filhos, esquece também a si mesma. E não há futuro sólido quando a memória se perde.

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Luiz Phillipe Pinto é advogado

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