Por Luiz Phillipe Pinto de Souza
Na última semana teve início o julgamento do ex-presidente Bolsonaro. Seja no calçadão da Cardoso Vieira, em Campina Grande, ou nas areias de Copacabana, o tema se repetia: um processo cujo resultado parecia previamente conhecido, independentemente das paixões políticas ou ideológicas que cercam o debate.
O que chama atenção, contudo, é a centralidade que o Poder Judiciário passou a ocupar no cotidiano nacional. A crescente exposição das cortes superiores transformou ministros em figuras de projeção pública, a ponto de o cidadão comum conhecer de memória seus nomes, algo incomum em democracias consolidadas.
O brasileiro sempre foi um povo participativo, que tem opinião formada sobre tudo — da qualidade da carne no açougue aos rumos da economia ou da defesa nacional. No entanto, enquanto a estreia do técnico Ancelotti com a seleção canarinho, no Maracanã, mal conseguiu fixar na memória popular a escalação completa do time, os debates sobre decisões judiciais passaram a dominar as rodas de conversa.
Alguns podem enxergar nisso um avanço, sinalizando maior interesse da população por temas complexos, jurídicos e constitucionais. Contudo, uma leitura mais atenta da história e da teoria política, desde Montesquieu, nos mostra o risco evidente de uma balança desequilibrada.
A separação dos poderes, que deveria manter o equilíbrio e o respeito entre os três pilares da República, tornou-se cada vez mais instável. O Legislativo perdendo força de representação; o Executivo, fragmentado por disputas internas e coalizões frágeis; e o Judiciário, por sua vez, ganhou protagonismo além da letra da lei, transformando suas interpretações em verdadeiros atos governamentais.
Em um regime que se autodefine como democrático, a vontade popular deve ser soberana. O paradoxo contemporâneo, porém, revela-se no fato de que, a cada decisão, o Supremo se torna ainda mais “supremo”, evidenciando uma distorção que desafia o próprio conceito de Estado Democrático de Direito.
A judicialização da vida política brasileira talvez seja o retrato mais claro de nossa crise contemporânea. Mais do que processos, nomes ou partidos, trata-se de uma discussão sobre os limites do poder e a necessidade urgente de se restabelecer o equilíbrio entre as funções de cada poder da República. Afinal, sem equilíbrio, não há democracia que se sustente.
No fim, fica a reflexão: até onde vai a Justiça quando o equilíbrio dos poderes já não existe? E, mais importante, até onde o povo brasileiro aceitará que o voto seja apenas o primeiro capítulo de uma história cujo final já não lhe pertence?
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Luiz Phillipe Pinto de Souza é advogado especializado em Direito Público, com experiência em consultoria política e atuação nos âmbitos legislativo, administrativo e eleitoral.
