Enquanto a TV na recepção de um consultório transmitia o telejornal, uma senhora ao meu lado proferiu uma provocação que ainda me faz refletir: "Quero saber que crise é essa que tanto falam. Os aeroportos estão cheios, não consegui vaga em hotel no último feriado e os supermercados estão sempre lotados. Não tem saques como na Venezuela."
A fala, embora simples, ecoa um Brasil que poucos enxergam de perto. É a realidade de uma minoria, blindada por uma camada de privilégios, que contrasta violentamente com o dia a dia da maioria.
Em meio ao turbilhão de notícias políticas vindas de Brasília, com discussões sobre a PEC da Blindagem e o projeto da anistia, uma manchete passou quase despercebida: o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa Selic em 15%.
Essa decisão, que pode parecer um número distante, ressoa no dia a dia do brasileiro. Ela encarece o boleto, restringe o acesso ao crédito e sufoca negócios. Atualmente, o Brasil possui a segunda maior taxa de juros real do mundo, superado apenas pela Rússia, um país em guerra com a Ucrânia.
A explicação técnica é a necessidade de controlar a inflação, mantendo os juros altos para desestimular o consumo e atrair capital estrangeiro. No entanto, o cenário se complica com um governo que gasta mais do que arrecada, corroendo a credibilidade do país e elevando o risco percebido pelos mercados. E o risco, em economia, tem um preço: juros mais altos.
O reflexo prático é sentido nas empresas, que enfrentam um cenário de crédito caro e de menor demanda. De acordo com a Serasa Experian, 891 empresas pediram recuperação judicial em 2021. Em 2024, esse número disparou para 2.273. Por trás de cada estatística, há um empreendedor que sonhou, investiu e hoje enfrenta a ameaça de fechar as portas.
É um ciclo vicioso: o empresário contrata menos, o trabalhador se sente mais inseguro, o consumidor reduz as compras. A vida se torna mais pesada. A taxa oficial de desemprego, embora em aparente melhora, é um número enganoso. É fácil sustentar a narrativa do pleno emprego quando milhões sobrevivem na informalidade. O discurso da "cultura empreendedora" muitas vezes serve apenas para maquiar a dura luta pela subsistência.
Lembrei de uma conversa com um motorista de aplicativo em São Paulo que retrata bem esse “Brasil real” de Ariano Suassuna. Ele me contou que trabalha 12 horas diárias no trânsito e, ao chegar em casa, continua até a madrugada tocando uma pequena lanchonete na garagem. O motivo: conseguir pagar um curso técnico para o filho. Este é o empreendedor brasileiro que não escolhe empreender por vocação ou vaidade, mas por absoluta necessidade.
A crise, em sua face mais brutal, é a desigualdade social. Para a minoria, ela se manifesta nas filas dos aeroportos e na superlotação de hotéis. Mas para a maioria, que vive a violência urbana e a falta de oportunidades, ela é uma constante.
O fato é que o Brasil não tem fôlego para carregar por muito mais tempo o fardo de juros tão altos. E o preço disso não aparece em um gráfico da bolsa de valores, mas no suor diário de quem sustenta o país.
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Luiz Phillipe Pinto é advogado